O pesadelo

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I

Apesar de todas as salas e quartos luxuosos do castelo, era naquela catacumba secreta, úmida e arruinada que Teridus vinha passando a maior parte de seus últimos dias e noites.

O pentagrama que havia no chão fora riscado ritualmente, energizado e encantado segundo todo o rigor do procedimento. As palavras rituais haviam sido ditas com precisão e carregadas de todo o poder inerente à voz do mago. Nada sairia dali se não fosse sua vontade.

O último dos belos jovens que o feitiço requeria jazia desacordado numa mesa a seu lado. Munido da adaga ritual, Teridus foi até ele abriu-lhe a garganta com um corte suave, mas letal. O sangue espirrou na tigela que havia na outra mão.

Ele recolheu o suficiente e deixou o resto espalhar-se pelo chão.

Ao contrário do jovem, a donzela que estava presa no interior do desenho mágico estava acordada. Precisava estar. Nua, com as mãos e pés acorrentados ao chão e alinhados com quatro pontas do desenho, ela sabia exatamente o que aconteceria.

Já havia desistido de gritar por ajuda depois da terceira noite, e hoje nem implorava mais. Mas o seu medo prosseguia. Isso era necessário, assim sabia Teridus, pois o medo dela era um dos ingredientes chave para o que estava prestes a ocorrer.

O mago disse as palavras finais, e verteu o conteúdo da tigela sobre o sexo da jovem. Em seguida, fez silêncio. Nenhuma palavra mais era necessária.

Minutos depois, as convulsões e dores dela começaram. Os gritos que se seguiram foram arrepiantes, mas não seriam ouvidos por ninguém mais além do mago. Um pouco de alquimia bem utilizada selara aquela câmara de forma que nenhum som escapava de seu interior. Não obstante a donzela gritava, e gritava muito. Era inevitável.

E sua barriga já começara a inchar.

II

Sete noites depois.

Marina estava deitada em sua cama, e acordou sobressaltada, com um grito. No instante seguinte, dois guardas e um criado invadiam-lhe a intimidade do quarto. Por um momento, ela quase não os reconheceu, depois se lembrou de quem era e de onde estava. Puxou as cobertas sobre si e murmurou:

-Me perdoem. Foi um pesadelo. Apenas isso.

Os guardas nada diziam, nem se retiravam. Era seu dever a vigília da noite, e aguardar até a chegada do Lorde, que o criado fora chamar em seguida.

No último ano, houvera três tentativas de assassiná-la. Todas as três haviam falhado, é verdade, mas a última não fora nada sutil – custara a vida de metade da guarda pessoal da família, numa batalha de dois exércitos pequenos, mas ferozes. Desde então, ela não saíra mais do castelo, e todo o ar livre e céu aos quais podia ter acesso eram os do jardim interno. Guardas a acompanhavam dia e noite. Uma bela flor de cabelos claros e olhos brilhantes protegida por espinhos ferozes, mas que começava a definhar pelo enclausuramento.

O Lorde chegou momentos depois. Olhou para um dos guardas, e este respondeu:

-Não vimos nada, milorde. Milady diz que foi um pesadelo apenas.

O Lorde assentiu. Olhou pela janela, temeroso, mas seria impossível. Aquele era o mais alto quarto do castelo, e havia metros e metros de rocha lisa até o primeiro ponto de apoio. Somente alguém com asas.

-Está tudo bem. Deixem-nos.

O Lorde olhou para ela, agora longe dos serviçais, com ternura:

-Quer me falar sobre o pesadelo, filha?

-Papai, sinto tanta vergonha... devo ter assustado a várias pessoas pelos corredores... não tenho um sono bom e prejudico o sono alheio, também.

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