Um leve arrepio percorreu meu corpo quando o relógio analógico no notebook marcou 00h00min, chegara a hora, mesmo estando completamente arrependida sabia que não havia como voltar atrás, uma vez que eu já tivesse recebido o pagamento.
Levantei da cadeira, respirei fundo, a energia elétrica da casa havia sido desligada, o notebook funcionava no modo bateria e eram apenas as luzes de sua tela que iluminavam meu quarto. O piso estava gélido e úmido, fato que o tornava um tanto escorregadio. A chuva tinha dado uma trégua, deixando apenas o ar frio, incomum nesta época do ano. Pela janela podia-se ver a neblina lá fora, outro fator incomum e como já era esperado: algo estava extremamente errado.
Andei até o corredor. Estava descalça, vestindo apenas uma regata em tom verde aspargo e uma calcinha branca, meus cabelos longos, lisos e castanhos estavam soltos. Olhei a minha volta e felizmente não havia nada fora do lugar. Desci as escadas até a cozinha, lembrava que meu celular estava por ali, em algum lugar. Por instinto abri a gaveta do balcão onde eram guardadas as facas e encontrei um garfo trinchador, por algum motivo, acreditei que ele serviria para minha proteção.
Um relâmpago iluminou a casa e senti o temor se instalar em meu corpo, a claridade logo foi seguida pelo estrondo que me fez gritar. “Calma Lucia” pensei “É apenas uma tempestade!” estava completamente enganada.
Aos poucos fui percebendo um som vindo de uma das janelas da sala, som de unhas arranhando o vidro, mas nada se via alem dos arranhões. Uma gargalhada veio de algum lugar da casa e meu coração acelerou. Então ouvi passos, passos que aos poucos se aproximavam. O medo impedia que eu me movesse, fechei os olhos, desejei que fosse um sonho. Mas, não era.
Algo frio, frio como a morte, tocou meus antebraços, levei a mão esquerda sobre a boca para sufocar um grito e senti uma lágrima deslizando sobre ela, derrubei o garfo e tentei não me apavorar. Não sabia ao que, ou quem recorrer, então decidi orar.
- Pai nosso que estais no céu – minha voz estava tremula e significativamente abalada.
- Santificado seja você nome – continuou uma voz próxima ao meu ouvido – Só eu posso te ouvir agora, docinho!
Senti algo viscoso e úmido tocar minha orelha, perdi as forças de minhas pernas e caí.
“O telefone publico tocou exatamente no horário previsto, andei vagarosamente até ele e antes de atender lembrei-me do que Marcos, meu amigo, havia dito: “Não diga nada além de seu nome. Ele vai entender.”
- Lucia Haiden – aguardei em silêncio por uma resposta, mas nada foi dito, apenas pude ouvir um ruído, desliguei.
No caminho de volta relembrei tudo o que acontecerá naquela noite: Começou como uma brincadeira, um desafio: “Desafio você a oferecer a alma ao diabo” disse Marcos antes de dar um ultimo gole em sua cerveja. Ri daquela situação e acabei aceitando, afinal, não estava levando nada daquilo a sério. “Não estou brincando” alertou meu amigo e conclui que também não estava.
Fomos até seu quarto, ele arrastou sua cama para o lado e notei que sob ela havia um pentagrama desenhado com sangue ao chão, fiquei impressionada e Marcos notou “É sangue de bode, não se preocupe”. “Tire os sapatos e sente-se” foi o que disse Marcos. Ele ascendeu quatro velas pretas e eu uma vermelha, leu trechos em latim de um livro todo negro, demos nossas mãos e fizemos uma oração. “O que você deseja?” questionou Marcos, “Uma transa selvagem” respondi, “Se é isso que você quer” concluiu ele puxando minha mão esquerda, fazendo um corte em minha palma, o sangue pingou sobre a vela vermelha apagando-a. “Aguarde uma ligação no telefone público entre o cruzamento das avenidas principais, ele tentará contato por lá. Você terá apenas três dias depois que seu desejo for realizado.”.
Naquela noite meu novo vizinho decidiu me fazer uma visita, trocávamos olhares a vários dias e foi inevitável que logo estivéssemos trocando carícias, seu beijo era intenso e quente, assim como seu corpo. Despimos-nos e eu senti sua língua percorrer meu corpo, quando me dei conta estávamos deitados ao chão da sala e seu membro já havia me penetrado, eu arranhava suas costas a cada um de seus movimentos. Num momento de distração notei que havia alguém, ou algo nos observando. Nunca esquecerei aqueles olhos vermelhos por trás da porta de vidro.”
- Foi você quem escolheu assim! – disse a voz gutural.
Mantive meus olhos fechados, não queria de forma alguma ver o que estava diante de mim. Mas, era inevitável senti-lo. Sua mão tocou minha coxa e minha pele ardeu como se estivesse em contato com o fogo, entrei em pânico, chorei, gritei, era tarde demais.
- Vocês humanos não levam as coisas a sério, deviam saber que eu aceito almas com muita facilidade, às vezes nem é necessário um ritual, ou brincadeira de mau gosto. Apenas um pensamento equivocado já abre portas para que eu possa entrar. Normalmente pedem algo significativo em troca. Mas, você foi suficientemente burra e pediu algo que eu poderia oferecer sem fazer esforços. Praticamente consegui uma alma de graça.
Ele riu e depois tudo ficou em silêncio, pensei que tivesse ido embora, mas logo senti sua respiração em minha nuca.
- Falando nisso – prosseguiu ele – poderíamos terminar o que você interrompeu com seu vizinho. Sinceramente eu só estava observando, não queria ter estragado nada. Você tem um corpo atraente. Mas, precisa de alguns cuidados – ele virou meu rosto para o seu lado – Abra os olhos criança, não tenha medo, quero apenas brincar com sua alma.
O obedeci, abri os olhos e imediatamente me arrependi, não vi rosto algum, apenas um borrão cinza e um par de olhos vermelhos, o medo havia se instalado por completo em meu corpo, mas ele tinha que sair, algo mais poderoso queria entrar. Senti o chão vibrar, meu corpo fervilhava, as paredes tremiam, vi o crucifixo que havia na sala desmanchar-se em pó, apaguei.
Agora, sei que tenho poucos minutos aqui, antes que Ele assuma o controle por completo, não há mais escapatória, fiz minhas escolhas e está na hora de Lúcifer reinar!
13/02/2015 – Sexta-Feira 03h50min.
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