Gustavo
O dia estava uma droga e meu humor péssimo. A garota do trem não apareceu no vagão hoje. Provavelmente entrou em outro, com medo de me confrontar. Como fui ser tão idiota! Mais uma vez feito de palhaço. Queria muito tirar satisfações e entender o motivo. Se uma mulher não queria nada com você, era necessário entender e seguir em frete. Daí a fazer um papelão desses? Que raiva! Queria muito saber o motivo. Sinceramente foi uma boa lição para aprender a não ser tão otário.
Logo pela manhã a tal Juliana me enviou o SMS com o endereço e o telefone do escritório. Passei para minha mãe e resolvi deixar quieto. Aquela história havia me tirado completamente o humor. Nem um copo de café fumegante daria jeito. Nem isso! Segui para o trabalho muito irritado.
Terminei de pagar as contas de uma moça, então chamei a próxima da fila e uma senhora me passou o papel com uma quantia exorbitante anotada dele. Avaliei aquilo e achei estranho. Ninguém tirava essa quantidade na boca do caixa, pelo menos não em sã consciência. Ela ainda estava enrolada com o documento e o cartão. Não o encontrou e me olhou arrependida por me fazer esperar mais do que o necessário. Queria sorrir para ela, mas não consegui, pois meu humor não me permitiu. Bateu aquele arrependimento, afinal ela bem poderia ser minha mãe e não tinha culpa do fora que levei. Tentei me manter tranquilo e muito paciente, levando-se em consideração o meu estado de espírito nada amigável nesse dia. O tempo passou, algumas pessoas reclamavam na fila e eu continuei com a expressão impassível. Quando ela me entregou tudo, observei-a e vi que estava nervosa. Parecia apavorada. Aquilo me inquietou.
— A senhora tem certeza de que deseja sair com essa quantia do banco. É perigoso! — falei baixo, encarando-a nos olhos. Afinal, dois mil reais são dois mil reais. Certamente se for assaltada o dinheiro fará muita falta.
— Eu preciso muito, meu filho. — Ela pareceu-me nervosa, enquanto falou.
Simone, a caixa ao lado, olhou-me com reprovação, sabendo que não devia me meter na vida dos clientes. Sabia que não devia ser um bom samaritano, como sempre sou, mas não resisti a esse meu lado heróico.
— Senhora, essa região tem muito assalto. Já ouviu falar de saidinha de banco? Pode perder um bom dinheiro saindo com esse montante — sussurrei e a senhora começou a chorar. Por favor, choro não! Não resistia a esse tipo de coisa. Passei as mãos pela cabeça e vi os olhares curiosos das pessoas na fila. Algumas impacientes e querendo me matar pela demora.
— A minha filha foi sequestrada — ela revelou baixinho. — Eu recebi uma ligação hoje pela manhã dizendo para vir a essa agência e sacar o dinheiro. Se não entregar, vão matá-la. Não entende? É minha filha! Estou apavorada.
— A senhora já tentou falar com sua filha? Com algum amigo do trabalho? Posso garantir que isso é um trote. Não pode entregar suas economias. Se quiser, podemos ir até a copa e você liga para ela. Mas em hipótese alguma vou deixá-la sacar esse dinheiro e entregar de bandeja para espertinhos.
— Eu estou tão nervosa, meu filho. Não sei o que fazer! Não sei! — chorou copiosamente.
Não faça isso, Gustavo! Não faça!
Saí da minha posição, deixando o caixa abandonado, mesmo sabendo que aquilo teria consequências. Meu chefe não levaria aquilo numa boa, mas tudo bem. Tudo para ajudar alguém! Levei a senhora até a copa e o gerente logo apareceu. Deixei que a mesma chorasse tudo o que podia, antes de falar. Rogério me olhou, pedindo explicações para a minha atitude insana.
— O que significa isso, Gustavo? — esbravejou.
— Ela foi enganada. Disseram que a filha está em poder deles e a obrigaram a sacar dois mil reais. Um golpe velho, mas que nós sabemos que acontece todos os dias.
— A senhora pode me informar o telefone da sua filha? Vamos ligar para ela ou para o trabalho — Rogério disse, desgostoso. Olhou-me, desafiadoramente, com a sobrancelha erguida. — Você volte para o seu caixa. Depois conversaremos sobre isso.
Fui trabalhar tenso, pensando no destino da pobre senhora. Será que realmente se tratava de um sequestro relâmpago? Queria muito saber o desfecho, mas continuei meu trabalho, no piloto automático, até que vi a senhora saindo acompanhada por uma jovem e elegante mulher. Ela aparentava ter menos de trinta anos, bonita, trajava roupas formais, calça e blazer preto, com camisa branca de linho. Os cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo. A pele morena, incríveis olhos cinzentos, nariz arrebitado e lábios carnudos e bem desejáveis. Ambas vieram até o meu caixa e a senhora segurou minha mão, agradecendo pela delicadeza e sensibilidade. A mulher ao lado manteve a expressão neutra, apenas me olhou e assentiu com a cabeça. Fiquei observando aquele olhar e ele me parecia familiar. Não sabia exatamente de onde a conhecia, mas o rosto não me era estranho.
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Maktub
RomanceVocê acredita em destino? Juliana achava que a vida dela estava toda planejada, mas levou um fora do noivo e agora está amargurada com a vida. O que ela não sabe é que o seu destino já estava escrito e o que o futuro lhe reserva era mais do que ela...