Gustavo
Sinceramente, não sei o que aconteceu comigo. O meu bom humor foi totalmente embora e não consegui mais encarar aquela mulher pelo resto do dia. Enquanto nadava um pouco, minhas memórias me trouxeram o motivo de tanta inquietação.
Juliana era a Ju do curso de inglês. Eu me lembrava de que na época tinha 14 anos e estava no segundo período do básico. Nossa turma era bem animada, apesar de eu ser muito calado e só interagir quando o professor exigia algo de mim. No mais, prestava atenção na aula e me mantinha na minha.
Lembro-me de que era muito apaixonado pela Ju e ficava admirando-a discretamente. Ela foi o meu primeiro amor. Por meses eu a observei e imaginei se um dia olharia para mim, mas ela nunca olhou e eu continuei o mesmo garoto recolhido e tímido. A coisa ficou estranha no início do segundo período, quando ela ficou muito doente. A princípio assistia as aulas e tentava participar, mas era visível que estava a cada dia mais magra e pálida. Até que um dia Ju não apareceu e o professor nos informou que ela fora internada em um hospital para doentes com câncer. Aquilo foi um choque para todos. Apesar de sabermos que ela possuía a saúde debilitada, não imaginávamos que era tão grave.
Eu orei muito pelo seu estado e para que ficasse bem. Passamos dias sem notícias, até que um dia eu sugeri ao professor que fizéssemos uma visita no hospital. Ele disse que conversaria com a direção do curso e com os pais dela. Apesar disso, continuei inquieto e pedi para minha mãe para que ela me levasse até lá. Veendo minha agonia, ela procurou notícias sobre a paciente e descobri que Ju precisava urgentemente de um doador de medula. Nesse estágio eu já me imaginava salvando a vida dela e pedia a Deus que minha existência servisse para alguma coisa. Minha mãe, a princípio, não concordou com aquela loucura, mas de tanto insistir ela aceitou que eu fizesse um exame de compatibilidade.
Quando recebemos o telefonema do hospital, informando minha medula era compatível com a dela, eu quase soltei fogos de artifícios. Nem quando o Mengão arrasava os rivais no Maracanã ficava tão feliz. Aquilo para mim foi uma grande vitória. E para completar, na semana seguinte o professor do curso nos informou que a próxima aula seria dada no hospital. Pediu para que quem estivesse disposto a uma visita levasse um formulário de autorização para os pais preencherem. Eu estava tão feliz por saber que ela ficaria viva e bem. Não pude conter a minha empolgação com a notícia e todos perceberam.
A visita foi uma grande festa. Ela nem acreditou que estávamos ali, reunidos para vê-la, e ter uma aula de inglês totalmente diferente. Levamos balões, bolo e presente. Demos a ela uma tarde maravilhosa e sei que foi inesquecível. Porque para mim foi.
Antes da partida eu revelei sobre o transplante e ela ficou muito emocionada com a notícia. Aquela foi a última vez que vi aqueles olhos cinzentos. Nunca vi um olhar como aquele. Por muito tempo pensei se Ju teria sobrevivido, mas o hospital não revelou notícias e ela não voltou mais para o curso. Com o tempo acabei deixando para lá. Não fazia sentido ficar sofrendo por alguém que nem sabia que eu existia. Que sentido tinha isso? Nenhum.
Agora, pensando sobre os encontros com a Natália, lembro que o rosto dela era familiar no início e adorava observá-la. Mas não era ela que me chamava a atenção, no fim. Era a familiaridade com a prima. Tirando seus olhos castanhos, elas possuíam rostos bem parecidos.
Revirei na cama, inquieto e com coração batendo em sintonia diferente. Ainda tentava entender o que tudo aquilo significava no final das contas. Tantos encontros e desencontros tinham que ter algum sentido, não tinham? Sorri esperançoso e ao mesmo tempo com medo. Sabe aquela sensação de borboletas fazendo festa no estômago? Pois é... Eu estava sentindo isso agora. Porra, eu ia fazer 30 anos! Não podia agir ou me sentir como um adolescente na puberdade. Ou podia? Eu não queria me iludir. O fato de ter reencontrado Juliana dezesseis anos depois, em circunstâncias estranhas, não significava que de alguma forma ela estava destinada a mim. Isso era babaquice! Quem sabe falta de sexo!
Tinha que seguir a vida e me preparar para mais uma semana. Essa coisa de destino foi inventada por escritores para vender umas porras de uns livros melosos e cheios de frufrus esperançosos. Vida real era outra coisa e eu tinha mais que seguir a minha, por mais que algo dentro do meu peito tivesse balançado com aquela mulher. E que mulher! Com os anos, a Ju ficou gostosa demais. Mas eu realmente não queria ficar pensando merdas. Precisava dormir e limpar minha mente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Maktub
RomanceVocê acredita em destino? Juliana achava que a vida dela estava toda planejada, mas levou um fora do noivo e agora está amargurada com a vida. O que ela não sabe é que o seu destino já estava escrito e o que o futuro lhe reserva era mais do que ela...