Capítulo 1 - Apenas mais um dia

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— Os documentos e vias necessários para a viagem parecem estar em ordem, senhor Antunes. Vamos com a investigação?

Acompanhada de sua voz rouca, senti o cheiro de cigarro, café e ressentimento proferidos pela burocrata responsável pelos meus papéis.

Fazia agora 20 anos desde que foi descoberta as partículas seriadas na mente humana que, segundo o que pude entender, pode ser considerado como a alma humana. Todas as experiências e memórias, tudo armazenado nessa sequência que, além de isolada, pode ser enviada para onde quiser.

Foi questão de tempo até aprendermos a enviar essa nossa "alma" no espaço-tempo. Porém nosso corpo físico não podia fazer a viagem, então íamos a mentes de outras pessoas que agiam como abrigo a nossa "alma", chamamos estes de "receptáculos".

Não tínhamos nenhum controle sobre estes corpos. Apenas podíamos assistir passivamente enquanto o verdadeiro dono fazia seus movimentos. Éramos praticamente um parasita que tudo observa na vida pessoal de outra pessoa.

O governo, claro, tratou de proibir todas as viagens e criou um órgão para regulação e investigação de delitos em viagens temporais. Investigação de crimes na malha temporal é justamente meu trabalho.

— Seu receptáculo é João Batista, ex-programador chefe. A data da viagem será sete de setembro do ano passado, uma quinta-feira. Assine em duas vias para confirmar ciência da viagem.

Finalmente assinei os papéis finais e sentei-me a cadeira para realizar viagem. O que tornava João um suspeito é que, mesmo após largar uma rentável posição de trabalho para ficar desempregado, sua renda (monitorada secretamente pelo governo) só aumentava. Cabia o interesse da origem dessa grana.

Após um grande clarão acordo já no corpo de meu hóspede. Vejo que o mesmo se encontra num rústico laboratório secreto, enquanto começa a receber visitantes.

— Tudo pronto para viagem, João? Aqui está o pagamento final. Não se esqueça, queremos ser enviados para o carnaval de 1934, o primeiro tricampeonato da Mangueira.

— Sim... tudo está... nos melhores arranjos.

Sinto meu hospedeiro hesitar em suas palavras. Provavelmente suspeita que esteja sendo vigiado. Pesquisadores de viagens temporais relataram que o hospedeiro sente um leve incômodo, uma ausência de sentir do corpo, declarando que a mente não está sozinha nele.

Também chegaram à conclusão de que o passado nunca mudava. Porém tudo o que havia ainda de ocorrer, poderia sofrer mudanças. Esse desconforto, segundo os pesquisadores puderam entender, se devia a mente tentando modificar o que já está escrito no tempo.

Vejo então o grupo de quatro pessoas deitarem em máquinas que, rusticamente, lembram a que eu próprio usei para viajar no tempo e que finalmente fazem sua viagem. O crime já estava comprovado, só precisava que João olhasse algum registro para obter o nome dos viajantes e poder então, entregar o relatório completo.

Tinha ainda uma hora de espera dentro do corpo, após esse momento seria desplugado dele e teria mais burocracia para outra viagem. Felizmente após algum tempo e muita hesitação do meu receptáculo, ele finalmente foi conferir sua agenda e pude então memorizar o nome do grupo. Esperei então meu tempo acabar tranquilamente, pois tinha todos os dados necessários.

— Tudo resolvido, detetive?

Acordo de novo na agência de investigação com a rouca voz da atendente. Afirmo positivamente com a cabeça e me dirijo ao meu gabinete para enfim, tratar de toda a papelada. João, como as investigações concluíram, era um pirata de viagem temporal. Cobrando para enviar pessoas para terem experiências dionisíacas em grandes eventos de prazer da carne.

Até o momento as únicas viagens temporais legalizadas eram reguladas pelo órgão central e somente eram permitidas para fins científicos, justificados perante um corpo docente designado; ou investigativos, que era o meu caso.

De qualquer forma, finalizei meu relatório e fui para casa. O trabalho da semana estava feito.

Caça aos Piratas do Espaço-TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora