Capítulo 2

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A forma como o Tenente Martim Afonso Almeida, entrou na vida de Maria Luísa foi um tanto quanto desesperadora. O exército brasileiro, em face do conflito ocorrido na fronteira com o Uruguai, invadiu seu território em Outubro e conquistou várias regiões como Unión e Paysandú, marchando rumo a Montevidéu, capital do Uruguai. Martim retornou desse conflito com ferimentos profundos e febre alta.

Foi naquele estado que a jovem o viu pela primeira vez, inconsciente em uma maca, necessitando passar por uma cirurgia para a remoção da bala que o atingiu no ombro esquerdo.

Maria Luísa auxiliou o cirurgião com rapidez durante a operação.

Uma vez fechada a ferida, o paciente começou a apresentar sinais de que sentia dores agudas no local durante a aplicação do cataplasma emoliente. No momento em que ministrava o narcótico, ela esteve tão distraída, que não notou que Martim a estava observando.

Através de seus olhos semicerrados, o tenente conseguiu contemplá-la ao longe, tentando imaginar o nome daquele anjo em meio aos seus devaneios, ao mesmo tempo em que suas forças se exauriam na tentativa de adiar o estado de torpor sonolento. Notou que os olhos dela eram de um azul tão escuro e havia neles uma intensidade, que jamais tinha visto nos olhos de outra pessoa em toda a sua vida.

Foi o olhar dela cruzando com o dele que permaneceu fixo na memória de Martim, mais do que o ferimento ou as memórias da batalha que o levaram até a mesa de operação. O toque de Maria Luísa no rosto dele o fez adormecer, e a visão daquele militar fechando os olhos ao seu simples toque, também a encantou, sobremaneira.

*

Maria Luísa não sabia exatamente o que passou a sentir pelo Tenente Martim Afonso Almeida. Meses antes, ela sentira uma profunda afeição por Josefina, a sua primeira paciente, e temera perdê-la durante os cuidados prestados. Contudo, após a troca de olhares entre os dois, passou a se sentir ainda mais temerosa com a possibilidade de que o tenente viesse a falecer, algo que não ocorrera com outros pacientes até então.

Quando o tenente apresentou melhora em seu quadro clínico, Maria Luísa obteve a ajuda de um enfermeiro para deixar o paciente recostado no leito. Assim, ela poderia lhe fazer algumas perguntas de praxe, já que ele se encontrava plenamente consciente. Tentou conter a curiosidade de saber mais a respeito dele do que era apropriado, mas não pôde evitar a tentação e segurou a mão dele entre as suas por alguns segundos antes de examiná-lo.

Aquele toque fora o suficiente para atiçar o seu desejo. A pele se arrepiara toda, o coração começou a bater acelerado, e de repente, o ar que circulava na enfermaria parecia estar muito quente. Tentou ignorar a sensação ao tomar o pulso dele, contando mentalmente os batimentos, até constatar que estava mais forte e mais frequente. Temia que a sua própria pulsação a comprometesse, denunciando a sua incapacidade de controlar suas próprias emoções diante dele.

Maria Luísa deixou escapar um longo suspiro, de forma totalmente audível, quando inclinou o tronco para pegar o termômetro aplicado na axila dele. De relance, ela arriscou erguer o olhar para ele, mas arrependera-se no instante em que encontrou seus penetrantes olhos castanhos fixos nela, com uma expressão divertida e impudente. Rapidamente, ela virou as costas e concentrou sua atenção na análise do instrumento, e para seu alívio, a temperatura do corpo estava adequada.

― Por acaso eu estou com febre, enfermeira? ― Martim indagou, a meia voz.

Ela se assustou quando ouviu a voz dele, mas se virou rapidamente para responder ao seu questionamento, antes que ele nutrisse algum receio pelo seu estado de saúde.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora