V • Se Eu Fosse Um Cadáver

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John já perdera a conta de quantas vezes havia ido até o necrotério na vida. Ali tinha se deparado com todo tipo de coisas grotescas, e todas o assustaram em um certo nível. Em cima daquelas mesas frias de metal, já vira pessoas de todas as idades, de toda cor de pele que se possa imaginar e com todo tipo de ferimento, ocasionados por inúmeras causas de morte.

Hodges e seu assistente — um rapaz curioso que usava óculos grandes e parecia sempre perdido em pensamentos — eram as únicas companhias daqueles que, porventura do destino, chegavam até aquele lugar. Eles as tratavam como se algo ainda habitasse aqueles corpos, ora embalando o sono das almas com músicas clássicas, ora conversando com as mesmas.

O que mais surpreendia é que, fosse com palavras ou não, Hodges sempre recebia uma resposta por tudo que perguntava a elas.

E todo o espaço que restava vazio não parecia preenchido com almas de pessoas que já passaram por aquelas mesas, deixando tudo assustador, como acontecia em outros necrotérios que John visitara. O legista fizera do lugar, apesar de frio, aconchegante, e as várias gavetas enfileiradas nas paredes, onde Hale sabia que havia corpos, não chamavam tanta atenção quando se entrava ali.

Por todos os lados da sala se espalhavam adereços decorativos de Halloween, o que deixava tudo mais acolhedor e menos próximo da realidade, como se ele tivesse entrado num brinquedo de parque de diversões.

Iluminadas por luminárias em formato de crânios sorridentes de plástico colorido, as mesinhas de Robert pareciam até um lugar onde John gostaria de trabalhar.

Aquela era a "casa" do amigo, e ver tudo decorado daquela forma o fazia sentir-se mais próximo dele.

Hodges encontrava-se em frente ao painel iluminado, de braços estendidos, ajeitando placas de raio-X e observando atentamente, quando John e Payne entraram na sala, acompanhados por George Lewis, o jovem aprendiz.

Uma das duas mesas que ficavam no centro da sala tinha um corpo inteiramente coberto, enquanto na outra havia sido deixado o corpo da vítima do caso no qual trabalhavam, coberto apenas até o pescoço, já limpo pelas mãos dedicadas de Robert.

— Desculpe-me invadir seu hábitat natural. — John disse logo após limpar a garganta, sorrindo e aproximando-se do legista para analisar as placas escuras de plástico junto a ele, enquanto Payne permaneceu na porta do necrotério, ao lado do assistente, olhando tudo em volta. — Nosso amigo já tem nome?

— Segundo Lewis, que foi surpreendentemente rápido, este é Austin Stevens. — O legista foi até a mesa, seguido pelo detetive, enquanto falava. A tenente também se aproximou para ouvir mais de perto as informações.

— Foi fácil, as digitais dele não estão danificadas. — George falou, indo até um computador num canto da sala e virando o monitor onde se via a foto de um homem de cabelos louros escuros e olhos castanhos, de pouca idade, que outrora fora o jovem rapaz que agora encontrava-se deitado na mesa fria no centro da sala. — Mandei o sangue dele para a análise para a confirmação, mas é quase certeza que esta é nossa vítima.

— É nosso homem. — John olhou uma última vez para o rosto do homem no computador, de uma foto que anteriormente ele havia tirado para sua carteira de motorista, e que fora arquivada para sempre pelo governo. Voltou então o olhar para o homem que agora encontrava-se deitado em sua frente, e tinha a face irreconhecível.

— A causa da morte foi estrangulamento. — Hodges pronunciou-se.

— Então foi mesmo morto pela gola de palhaço.

— Muito provavelmente sim.

— E por que o assassino a arrancou?

— Isso é algo para que você resolva, meu amigo. — Robert colocou a mão no ombro do tenente, ainda ao lado dele, enquanto todos encaravam o corpo, num círculo ao redor da mesa.

[DEGUSTAÇÃO] O Riso Da Morte (Saga Hale & Hastings - Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora