PARTE UM - Atacada pelo Papai Noel

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Coloco as mãos nos bolsos do casaco vermelho, para tentar aquecê-las, enquanto caminho pelo Central Park, iluminado por um milhão de luzes coloridas e estátuas tipicamente natalinas. 

A maioria das famílias passa o Natal em casa, reunidos com parentes que atravessaram o mundo só para ouvir a piada do pavê. Mas há algumas no Central Park, andando em conjunto, gargalhando alto de algo que ninguém além deles mesmos sabe, porque é impossível ouvir algo com a movimentação dos carros nas ruas que rodeiam o Central Park.

Ainda assim, quando passo por um banco onde um casal se beija sem a menor preocupação com as pessoas em volta, consigo ouvir eles desejarem feliz Natal um ao outro.

Não consigo evitar. Reviro os olhos, e não me preocupo em ser discreta. Sei que ninguém está olhando para mim, uma garota sozinha na noite de Natal. Quando todos têm alguém com que compartilhar a felicidade, porque se preocupariam com alguém como eu?

Seria tão mais fácil se o Natal simplesmente desaparecesse. Quem é que precisa de um 25 de dezembro? Eu poderia dormir no dia 24 e acordar apenas no dia 26, não faria a mínima diferença na minha vida. E então, eu não precisaria reviver o dia em que fui abandonada.

Como eles puderam fazer isso? Eu tinha só 5 anos. E, poxa, era Natal. E eles foram embora como se eu não existisse. Uma das poucas lembranças que eu tenho é de estar sozinha, sentada no tapete da sala, esperando que eles voltassem das "compras" que foram fazer. Eu mal me lembro dos rostos deles. Só os conheço porque eles deixaram para traz algumas fotos.

Eu não sei porque eles me abandonaram, mas meus pais eram jovens, quase adolescentes. Então acho preferiram se aventurar pelo mundo a ficar presos a uma garotinha pirracenta.

E eu simplesmente não consigo olhar para qualquer coisa que diga "natal" sem me lembrar deles. E isso me dói tanto, que escolhi – porque resolvi que era mais fácil – odiar o Natal.

Para mim, era impossível odiar meus pais por me abandonarem, e, ao mesmo tempo, gostar do dia em que isso aconteceu.

Às vezes eu me pergunto se eles são felizes. Porque eu definitivamente não sou. Mas não desejo ou espero que os planos deles tenham dado errado, que neste momento eles sejam tão infelizes quanto eu sou. Se eles me abandonaram, que pelo menos tenha valido a pena.

Distraída com meus próprios pensamentos, assusto-me quando sinto alguém colocar – enfiar sem a menor educação – algo na minha cabeça.

– Feliz natal! – grita uma voz masculina, e em seguida, tão rápido que eu mal vejo, pega minha mão e me roda como se estivéssemos em uma dança.

Quando se afasta, apenas para ir correndo até outra pessoa, vejo que é um garoto vestido de Papei Noel, embora um pouco magro para o personagem, com dezenas de toucas de Natal nas mãos. E agora eu tenho uma na minha cabeça.

Ele coloca uma das toucas na cabeça de outra mulher, que também se assusta. O garoto grita "Feliz Natal" para ela também, e em seguida parte para sua próxima vítima.

Quando ele já está longe o bastante para não me ver, tiro a touca da minha cabeça. Amasso-a e enfio no bolso do casaco, continuando minha caminhada pelo Central Park, indo em direção ao lago congelado.

Eu sempre passo o Natal nas ruas, onde quer que seja. Em um parque, em um restaurante, ou andando pela cidade. Mas nunca em casa. Porque sei que lá eu seria obrigada a me sentar na mesa e comer um maldito peru, além de ter que ouvir desculpas esfarrapadas de que eles não tiveram tempo de comprar nada para mim.

Desde que completei idade o suficiente para sair por aí sozinha, não passo o Natal com eles. Nunca tentaram me impedir. Nunca me pediram para ficar. Porque não se importam.

Sento-me em um banco de frente para o lago congelado, depois de tirar um pouco da neve que o cobria, e continuo observando o cenário ao meu redor. As risadas de felicidade são quase mais altas do que os sons do trânsito da cidade.

A lágrima que desce pela minha bochecha quase congela no meu rosto por causa do frio cortante. Quase ao mesmo tempo que uma chuva de lágrimas irrompe dos meus olhos, uma chuva de flocos de gelo se inicia, e logo há crianças por todo lado, jogando bolas de neve umas nas outras e...

– Imagino que não tenha sido uma boa menina esse ano – comenta alguém ao meu lado, e quando me viro, vejo o garoto vestido de papai Noel que me atacou com uma touca besta sentado ao meu lado. – Ninguém chora na noite do natal, a menos que esteja recebendo um castigo do papai Noel. – Ele sorri, e eu reparo em seus traços.

A touca de sua fantasia não está mais em sua cabeça, e posso ver seus cabelos castanhos e completamente desgrenhados. Seus olhos verdes parecem luzes de natal, só que melhores.

– Acho que já vi você por aí – ele diz. – Ah, é claro. A garota do casaco vermelho. Eu me lembro de ter enfiado uma touca nessa cabecinha. E parece que você enfiou ela em outro lugar. – Sigo o olhar dele até o bolso do meu casaco.

Não respondo, e volto a olhar para frente, afim de passar o recado de que não quero companhia. Uso a manga do casaco para secar as bochechas.

– Você não parece nada bem. Vem, vou te levar em um lugar que com certeza vai te animar.

– Mas eu não conheço você e...

Ele agarra minha mão e se levanta, puxando-me com ele.

– Vamos nos conhecer então.

Até Meia-Noite para Salvar o NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora