Eu estava em Curitiba. Era a Curitiba de sempre, mas... também não era. Subitamente, eu me vi morando com meus pais. Eu era um vendedor, continuava sendo um vendedor, e deveria vender coisas! Mas eu já não tinha mais a mínima ideia do que fazer ou como proceder, pois, apesar de ser a mesma cidade, não podia conceber uma vida sem minha família, em um ambiente em que ninguém parecia saber que eu tinha uma família. Meus pais eram meus pais, mas de alguma maneira, não pareciam meus pais, pelo simples fato de terem eliminado de suas memórias os últimos 10 ou 12 anos de minha vida. Nada fazia sentido. Eu quase tive ímpetos de voltar ao hospital, onde ainda parecia estar em uma espécie de bolha protetora. Uma vez na realidade, a dor é mais forte. Precisava trabalhar para conseguir dinheiro. Voltei, então, a contragosto, ao serviço. Eu era representante de vendas de produtos de informática, e vendia os produtos Paraná afora. Não tinha jeito. Não havia como operacionalizar qualquer busca sem dinheiro. Eu devia estar acostumado, mas foi um choque horrível quando percebi que meus colegas de trabalho também desconheciam por completo minha vida passada. Ou, pior ainda, conheciam uma outra vida que eu simplesmente não vivera! Estava mesmo enlouquecendo... ou o velhote do hospital tinha razão.
Se é que o tal velhote existia. Quando saí do hospital, acompanhando de meus pais, ele não estava em sua cama. Cama que, por sinal, estava arrumada e claramemte desocupada. Não havia objetos pessoais de mais ninguém. Nada indicava que mais alguém residira no mesmo quarto que eu durante tanto tempo. É uma sensação cruel quando você não consegue confiar nem em si mesmo. Com tantas memórias, eu já não sabia o que era real e o que não era. Não entendia também tanta angústia e saudades de pessoas que, diziam, nunca existiram. Diane nunca existira? Como assim? E minha filha? Como podiam dizer que eu nunca tive filhos, pelo menos não que tivessem notícia? Uma doença física não nos atormenta tanto quanto uma desordem mental.
Mas, em algum lugar da minha alma (consciência), algo me dizia que precisava procurar minha família. Tamanho vazio não podia ser fruto de defeito no cérebro. Eu não aceitava a situação. Jamais aceitaria. E voltei para a estrada.
Passei pela primeira vez no local do acidente. Via uma árvore arrebentada. Foi ali. Ali que que tentei tirar minha vida. Mais à frente, entrei justamente na lanchonete onde tudo aconteceu. Parei no ponto em que lembro de ter sentido tontura. Nada. Tudo normal. Nenhuma alteração. Fui ao banheiro, voltei, pedi um café e um espetinho de frango. Sentei, bebi o café, comi o espetinho, e segui viagem. E chorei... pela primeira vez, chorei, e chorei muito. A estrada se liquefazia em minha volta, distorcida pelas lágrimas que rolavam densamente.
Minhas próximas (tentativas de) vendas eram na cidade de Umuarama, noroeste do Paraná, também conhecida como Capital da Amizade. Deixei minhas coisas no hotel e decidi procurar alguma padaria ou lanchonete para comer alguma coisa e relaxar.
A garçonete, muito simpática, trouxe um café um enorme pastel. Eu estava sozinho, sentado numa mesa para duas pessoas. Peguei o pastel, mordi-o de olhos fechados (que delícia), e quando os abri, dei um pulo e um berro. Amit estava diante de mim, na outra cadeira! Com o mesmo maldito sorriso que utilizava no hospital.
— Bom dia, meu querido.
— Bom dia o caralho! — olhei para os lados. Aparentemente ninguém percebeu meu susto escandaloso.
— Parece que ainda não aceitou seu destino, não é mesmo? Até quando pretende fugir? — Amit cruzou as pernas e acendeu um cigarro (algo que odeio), como se fôssemos amigos muito íntimos. Ele estava inteiramente à vontade.
— Como me encontrou aqui?
— Pergunta errada.
— O que?
— Ok, eu vou te ajudar. Não fui eu quem te encontrou. Você é que me procurou.
— Você é maluco!
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Tente Outra Vez
Aktuelle LiteraturTENTE OUTRA VEZ de volta ao Wattpad por tempo limitado! Portanto, você que ainda não leu o livro no Wattpad, aproveite para ler agora! ;) CAPA DE JULIAN DE SOUSA (@juliandesousa) Solomon e sua família viajam de volta para casa. Param em uma...