"Quero estar com você na alegria e no prazer / Se vier a escuridão nós então nos daremos as mãos / E parceiros na estrada da vida seremos a luz" ("Juro", de Almir Sater & Renato Teixeira)
Eu podia me desapegar de bens materiais, do emprego, dos meus DVDs e de tudo o mais que já não tinha, e não me fazia falta. Só não conseguia desapegar de meu amor mais profundo, a doce Diane, por quem minhas lágrimas rezavam todas as noites. Era grande a minha vontade de entrar em contato, mas achava que não a ajudava fazendo isso. Não havia certeza de que eu pudesse voltar, e ela precisava retomar a vida, pela nossa pequena Niara, e manter a cabeça no lugar. Talvez a maior prova de amor que eu poderia oferecer fosse justamente sair do caminho e permitir que ela seguisse pela estrada da vida. Eu pegara outra estrada, e não havia muito o que pudesse fazer. Mas isso me doía no peito a ponto de quase explodir, e as lágrimas vinham férteis e quentes, rolando pela face incrédula de alguém que se arrependia de tantas discussões fúteis e tanta rotina mortificante. Se houvesse uma nova chance, eu faria tudo muito diferente. Eu viveria dia após dia, como se não houvesse amanhã, e eu amaria e beijaria e abraçaria mais. Eu teria mais amor a dar e menos contas a pagar. Por que nos arrependemos tanto de nossas atitudes depois que não há mais volta?
Eu não podia chorar perto de meus pais, que não me entenderiam. Uma noite a saudade era tanta, que chamei Amit e chorei em seu ombro. Ele me deu um abraço paternal e evitou as palavras, que não precisavam mesmo ser ditas, pois não havia o que dizer. Apenas lágrimas a cair. Percebia então que, apesar de todo o isolamento, eu ainda tinha a sorte de contar com dois amigos: Amit e Jaqueline. Não conseguiria nada sozinho. E pensava se meu desapego às coisas não seria apenas a saudade me matando por dentro. Se nada tinha sentido sem as pessoas que eu amo, nada fazia falta. Ao fim e ao cabo, em vez de lutar, eu estava desistindo de tudo. A ilusão da jornada estava desabando. As noites muitas vezes eram assim.
Quando o dia amanhecia, a vontade de lutar voltava. A luz do sol me trazia para uma outra realidade, mais leve e menos saudosa. Eu me enterrava nos livros e sites, e ia devorando textos sobre as anomalias eletromagnéticas, o Triângulo das Bermudas, abduções, desaparecimentos misteriosos de pessoas e tudo que se relacionava. Avançava, mas nada parecia resolver o problema do portal. Não existia um livro que explicasse como reabrir a porta para casa. Não era à toa que Amit me lembrava tanto o Mestre dos Magos...
Falando nele, enquanto me prostrava diante de mais um livro grosso, ele, o velho Amit, apareceu, com seu sorriso experiente e sereno de quem passou por muita coisa e conhecia os atalhos:
— Buscar conhecimento nunca é ruim, meu querido amigo. Só não esqueça que a sua intuição continua em primeiro lugar. Tenho percebido alguns avanços. Bastante sensato em não procurar Diane com tanta frequência. Ela precisa sim de um descanso, e você percebeu isso. Sinal de maturidade. E sinal de amor. Quando nos despimos de nosso ego, o amor é mais pleno e belo. Sim, você trilha um bom caminho, apesar das tantas lágrimas que rolam todas as noites, não é mesmo? Não espero que elas sequem um dia, nem quero que seu coração se torne duro e gélido. Mas quero que consiga reagir e possa seguir seu caminho sem tanto sofrimento. E, não, isso não é um convite à desistência. Você não precisa desistir de nada. Só precisa acreditar mais em você mesmo, e deixar que as coisas fluam da forma mais natural.
— Amit... o que ou quem você é? É claro que eu sei que o senhor não é uma pessoa como outra qualquer, com um emprego qualquer e um lugar no mundo. A que veio, afinal?
— Por ora, basta que aceite minha companhia e reflita sobre minhas palavras. Solomon, o que mudou em sua vida desde que cruzou a fronteira que eu denomino anomalia? Sabe me responder?
— Parece que só o senhor é autorizado a perguntar, não é mesmo? Sabe que nunca fui bom em pegadinhas e mistérios. Sou pragmático demais pra isso. Bom, mas o que mudou em minha vida desde que minha esposa e filha decidiram que jamais existiram? Mudou muita coisa. Eu não tenho mais emprego, eu não tenho mais tanta necessidade de dinheiro, eu não sinto que preciso ter um monte de coisas, eu não sinto falta das festas, eu não sinto motivação pra reviver esse tipo de coisa. Mas tenho certeza de que tudo voltaria ao normal se eu conseguisse voltar para minhas amadas.
— Ninguém volta a ser hoje aquilo que foi ontem. Estamos em mutação constante. Suas mudanças são perceptíveis até para quem vê de fora. Mas as maiores, as essenciais, estão aí dentro de você. E você sente essas mudanças. Percebe que a jornada já iniciou? Percebe que sua intuição já está acima de objetivos traçados e escritos?
— Só percebo que eu pesquiso, pesquiso e não encontro nada.
— Talvez pesquise nos livros errados.
— Ótimo, então me indique algumas obras.
— Não posso. Deve descobrir por si mesmo.
— Excelente, Mestre dos Magos. Já esperava por isso.
— E não desejava outra resposta. Sabe muito bem que não pode ter respostas prontas. A vida não é como um miojo. É um pouco mais complexa que isso.
— Linda analogia. Nessas horas penso até onde devo ouvi-lo.
— E, reclamando ou não, continua a me ouvir. Estou aqui como um amigo. Como um guia. Mas não um um guia turístico, que explica tudo em detalhes superficiais. Nem um guia que te diz exatamente o que deve fazer. Até porque eu mesmo não sei o que você deve fazer. É você que precisa descobrir isso. Abra as portas da sua percepção. Já percebeu que as coisas não são, nem de longe, tão simplórias e retas quanto imaginava. Não há motivos para se surpreender tanto.
— Portas da percepção... você disse portas da percepção? Amit! Ontem mesmo eu li um livro sobre a mescalina, que faz as pessoas entrarem em estados alterados de percepção! E que tal se... Amit? Amit?? Cadê você???
Eu tentei encontrar alguém que me ajudasse a encontrar a tal mescalina, droga pesquisada pelo antropólogo Carlos Castañeda, mas o máximo que consegui foi levar uma bronca de um professor universitário, que alegou que a preparação para o uso da erva é muito longa e minuciosa, e qualquer erro na dosagem poderia resultar em morte. Não que eu achasse que tinha muito a perder. Por outro lado, como a morte fecharia em definitivo a passagem para o outro lado, desanimei. Talvez se usasse algum outro tipo de substância... talvez, apenas talvez, me ajudasse nos contatos com Diane. Talvez eu conseguisse encontrar a "porta", ver onde ela está, ou saber como recriá-la. Pois consegui ácido (LSD) e o máximo que consegui foi uma viagem muito ruim que me levou direto ao inferno. Primeira e única. Não servia para isso. Nem cigarro eu jamais usara. Somente o álcool descia redondo, e só me deixava mais alegre. Sem maiores alterações. Acho que as portas de minha percepção ainda estavam cerradas demais. Os meus bloqueios céticos agiam com a força de um tornado, não me permitindo relaxar e deixar levar pelos delírios noturnos que poderiam me fazer ver coisas que não conseguia em meu estado normal. Por umas duas semanas eu tentei algumas coisas, fiz alguns testes, mas apenas me senti ridículo e infantil. Um adolescente depois de velho. Não era aquele o caminho. Para piorar, na maior parte dos "testes", quem reagiu com mais força foi meu estômago, não o meu cérebro.
Já que não estava conseguindo me entender com as tais portas, procurei Jaqueline, que era a única pessoa, além de Amit, que poderia me mostrar onde elas estavam. Mas ela não era menos enigmática que Amit. Tinha minhas dúvidas se não eram parentes. Ela me disse:
— Os caminhos não estão necessariamente errados. Mas não espere que vá andar em linha reta até o objetivo final, pois o caminho é tortuoso. Você já deve ter ouvido falar que Deus escreve certo por linhas tortas, não? Essa ideia vem do Eclesiastes 7:13: "Atenta para a Obra de Deus: Quem poderá endireitar o que Ele fez torto?" Não espere facilidades, ordem lógica ou um senso de direção infalível. Mas não desanime, pois a sua jornada está em andamento, e tem obtido bons resultados. Sei que esperava uma jornada mais aventureira ou menos longa, mas é assim mesmo. O processo é longo, e os resultados, imprevisíveis. Continue se abrindo, continue com pensamento positivo, continue crendo que, ao final, valerá a pena. Assim, quando chegar o momento, saberá o que fazer e tomará decisões mais equilibradas.
Pensando bem, ela era pior que Amit. Curioso também que ela não me cobrava as consultas. Algo que só fui perceber naquela visita, que fora a terceira.
Passei em um mercado, comprei um garrafão de vinho e, à noite, entornei-o todo. A jornada seria regada a álcool, se necessário fosse.
Olá, galera! Com a publicação do décimo capítulo, atingimos praticamente a metade do livro, pois são 21 capítulos no total (22 partes, contando o prólogo). É uma história mais curta, com menos de 30 mil palavras, e os demais capítulos serão publicados aos sábados, terças e quintas. Acompanhem, porque em 4 semanas a história estará concluída! :D Obrigado pela presença de cada um. Se gostou, vote, por favor. Se não gostou, pode votar também, e conte pra mim o porquê de não ter curtido eheh! :D
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tente Outra Vez
General FictionTENTE OUTRA VEZ de volta ao Wattpad por tempo limitado! Portanto, você que ainda não leu o livro no Wattpad, aproveite para ler agora! ;) CAPA DE JULIAN DE SOUSA (@juliandesousa) Solomon e sua família viajam de volta para casa. Param em uma...