7 O Louco

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Acordei no dia seguinte, ainda sentindo alguma fraqueza, mas me sentindo bem por ter ido tão longe na comunicação. Quem sabe, com treino e disciplina, pudesse evoluir. Eu sabia que o caminho seria longo e que talvez nunca conseguisse voltar. Era difícil me conformar com a situação, mas precisava mentalizar a possibilidade como algo concreto. Criar expectativas nunca ajuda. Não que eu não soubesse disso. Mas precisaria aprender a me virar melhor, a lutar por alguma coisa. Agora eu tinha um motivo muito forte para lutar. Diane me cobrava por não saber lutar, por ser muito passivo. Admito que eu tinha mesmo problemas com isso. Minha passividade acabava comigo. E meu espírito ia abaixo com facilidade. O medo e o sentimento de autopreservação me dominavam. A vitória obtida na comunicação, mesmo que curta e quebrada, me davam ânimo para tentar mudar. Porque dependia de mim. Eu precisava disso.

Com ou sem cansaço, eu tinha que trabalhar. Fiz algumas vendas, nada extraordinário. Não seria o funcionário do mês, aliás, eu nunca conseguira essa façanha, mesmo quando de fato consegui vender mais que qualquer outro funcionário da firma. Por algum motivo que me foge à compreensão, não houve funcionário do mês aquela vez. Diane jurava que era racismo. Relativizei. Hoje, não duvido que tenha sido. Mas não imaginava na época. Meu chefe me tratava bem, os colegas também. Mas Diane mesma me dizia, eu era muito "bonzinho". Não via maldade nas pessoas. Se eram maldosas? Talvez. Hoje consigo enxergar que a humanidade nunca conseguiu evoluir tanto, enquanto humanidade. Tecnologicamente, sim, mas enquanto seres humanos, não.

O tempo passava. Amit não dava as caras, e eu tinha sérias dúvidas quanto ao sucesso de uma empreitada que eu temia encarar (pelo medo do fracasso). Também perdia noites de sono pensando em como Diane reagia às minhas aparições. Será que fariam bem a ela? Ou seria mais sensato deixá-la em paz, diante da possibilidade de nunca mais voltar? Desapegar? Naquele momento, parecia impossível.

Eu, que nunca fui de superstição, comecei a me abrir. Fui, creia, até numa taróloga. Jamais tinha consultado uma. Mas estava meramente passando em frente ao escritório de uma profissional, e me senti impelido a entrar. Lembrei que Diane gostava muito de misticismo e lia as cartas do tarô. Eu achava uma bobagem, uma crendice sem sentido, mas acabei entrando naquela casa, talvez por lembrar de minha saudosa esposa, ou como uma espécie de homenagem. Assim, como quem não quer nada. Ou quer muito.

Jaqueline estava em um ambiente semelhante a uma tenda, diante de uma pequena mesa redonda, com uma bela toalha estampada em motivos místicos. O cheiro de incenso recendia, uma sutil música instrumental remetendo às dores da alma. Diante dela, um baralho. Diante dela, um homem perdido.

Sentei-me, ao convite da taróloga, e conversamos. Muito, muito além do tempo. Foi a segunda pessoa com quem me senti à vontade, desde a "queda". Ela me convidou para sentar. Sentei, e Jaqueline me disse:

—Normalmente eu pergunto ao cliente alguns dados pessoais, e peço que me conte um pouco de sua vida. O cliente geralmente chega aqui com uma pergunta, uma questão bem específica. Mesmo sem nada dizer, eu pressinto que você não tem perguntas. Você não sabe o que me dizer. Vejo muita confusão em sua mente e medo em seu coração. A sua jornada está apenas no início. Vejo em você possibilidades de renascimento, redenção e glória. A vitória depende de você, mas precisa superar os medos que te dominam e te prendem ao chão. Para voar, é necessário se libertar. Não se alça voo sem arrebentar as cordas que te prendem.

Enquanto falava, ela separava algumas cartas, dispostas na mesa como um sinal de "mais". Uma no centro e outras quatro em torno da central, todas viradas para baixo. Eu a ouvia com atenção, sem interrompê-la. Ela virou a primeira carta, do IMPERADOR. Nâo achei que pudesse haver qualquer significado nela (especialmente se associado à minha situação). Mas Jaqueline discordava:

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