Parte 3 - o baile de máscaras

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Talvez, se ela fosse comum, isso desse em um romance. A clássica história de amor da pobre menina sofrida que se abriu ao sentimento pela primeira vez...e do cara bom, que foi paciente, conquistou seu coração e a fez feliz até o fim de seus dias. Talvez, nessa utopia de quinta, eles se casassem e tivessem filhos e uma vida de paz e alegria no campo, quem sabe. Talvez, até virasse um filme! Morro de rir com essa ideia, o filme haha! Imaginem só, que graça! Meninas tolas aos prantos na sala de cinema, acreditando que isso de fato exista e se perguntando quando chegaria a vez delas, as idiotas! Talvez (e esse talvez é um provavelmente) o ator protagonista ficasse famoso e as garotas colassem pôsteres dele no quarto, bem na cabeceira da cama, para que ele velasse seus sonhos. Elas não fariam ideia do quão babaca ele seria. Tampouco do quão estúpidas elas eram.

Confesso que a cena me agradaria, e muito! Não o para sempre e os filhos e o final feliz. As meninas tolas e o sofrimento delas. Isso sim. Contudo, vou precisar adiar meus planos, parar de me divertir com esses "talvezes" porque a menina estirada na areia não viveu uma história dessas. Ela nunca estaria em uma tela de cinema, em uma página de romance ou, pior, em uma vida feliz no campo. Ela não era comum. Ela era ela, lembram? Eu sei que prometi parar com o talvez, mas juro que não resisto. Só mais um, me permitem? Aí vai.

Talvez, as meninas que dormiam com o pôster do cara, sonhariam em ser como ela, se ela fosse a menina da história, é claro. Pobres sonhadoras! E Pobre da minha menina, que um dia também achou que pudesse ser a mocinha. Coitada! Em vez de um romance, ela começou a fazer parte de uma tragédia shakespeariana. Começando, de forma clássica, com um baile de máscaras (sim, aquelas que ela jurou nunca usar).

Como já disse, ele naufragou em sua praia e, sabe-se lá o porquê, ela resolveu não o descartar. Devo admitir que no início foi até difícil para o rapaz, mas vocês conhecem o ditado...ele era conversa mole, ela era pedra dura...por fim, cedeu.

Ela estava em um barzinho, distraída, pensando que era hora de ter alguém. Ele também estava lá, tocando "Estranged" do Guns em sua Fender antiga. Sejamos honestos, quem resistiria? Eles bateram papo e descobriram que os dois vieram ao mundo sozinhos. Beberam umas e saíram andando pela cidade para descobrir o que aconteceria a partir daí. Ela amava o agito.

Foi o que aconteceu: começaram a se ver com mais frequência, iam ao karaokê, ao teatro e estava em cartaz "The importance of being Ernest" do Oscar Wilde. Ele comentou que era o autor de peças preferido dele, ela preferia mil vezes Bernard Shaw, mas, diante do entusiasmo do companheiro, se contentou em dizer apenas "o meu também", abrindo mão da importância de ser ela mesma.

Juro pelo cordeiro imolado, eu não conseguia decidir entre sentir dó ou raiva. Eu queria entrar na cena só para esganar a traidora! Ela jurou! É difícil entender? Um juramento para a sua pobre mamãezinha! O que eu estava vendo? Ela permitia que ele adentrasse em seu território, trazendo consigo as impurezas do mar. Não! Pare! Não faça isso sua estúpida!

Era tarde demais. Ela já havia se entregado.

Conforme ele entrava e tomava posse da ilha, o oceano alagava-a e fazia com que ela ficasse cada vez menor. Estava tudo bem, ela não ligava, a otária! Ela achou que pudesse ser feliz, ter uma família, que ganharia serenatas e uma vida perfeita. Bernard Shaw era um preço muito pequeno a se pagar! Ela estava tão cega!

Ele envolvia os caules com tesouros roubados e sugava até a seiva. Animais domados. Pássaros que não cantavam. Matas incineradas. Frutos envenenados. Ela continuava com um sorriso no rosto enquanto ele terminava de diminui-la. Era horrendo. Depois do nosso amigo escritor, ela não podia mais sair com as amigas, nem gostar do Wagner, nem dos filmes franceses (porque francamente!) e nem cozinhava mais para ele. Não precisava. Ele se alimentava dela.

Um dia, enquanto jogava sinuca, ele até comentou com os amigos que estava sendo a mais difícil até o momento, contudo, nada que ele não pudesse dar um jeito com charme e astúcia.

Chegou a um ponto em que ele conhecia todos os segredos, fraquezas e esconderijos da ilha, só um lugar ainda não havia adentrado: a caverna que abrigava o seu coração, onde repousava a alma. Era uma questão de tempo. Ela estava inundada, cercada de trevas, não havia para aonde correr. Então, em uma noite, ele implorou: ilha, dê-me abrigo, só restou essa caverna, onde passarei a noite?

Idiota! Idiota! Idiota!

Ela o conduziu até lá.

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