XVIII

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Desci para a cozinha e o cheiro de comida invadiu o ar. Meu estômago que antes a uma hora dessas roncava de fome, apenas deu um indício mínimo de atividade. Nunca tinha parado realmente para pensar nisso, mas comecei a me questionar pela primeira vez sobre as necessidades reais de um anjo ou demônio. Eles realmente sentiam fome? Tinham necessidade de comer? De dormir? Ou apenas faziam isso para manter as aparências?

Como nunca me perguntei isso antes?

Parando pra pensar nisso, eu nunca realmente reparei neles durante nossas refeições, aliás, quase não reparava em seus estilos de vida referente à essas coisas. Apenas sabia que conversávamos muito e que eu mesmo acabava comendo muito pouco.

Akemi me disse que ia levar um tempo até eu começar a pensar cem por cento por mim mesmo, mas não achei que fosse demorar tanto. Quatro meses se passaram e essa foi uma das primeiras vezes em que me questionei sobre algo assim. De qualquer forma, eu iria prestar mais atenção em nossas refeições hoje.

Por algum motivo minha cabeça ainda dava pequenas voltas, assim como no sonho. Um zumbido muito baixo vinha de suas profundezas, mas ignorei. Devia ser algum mal estar passageiro.

Ao me sentar à mesa, já percebi algo diferente. Akemi não tinha nenhum prato à sua frente, apenas uma taça grande e repleta de detalhes brilhantes. E estava com ares de quem passou a noite fora, já que estava ainda molhada da chuva de ontem à noite que terminou em uma pequena garoa de manhã. Ariel tinha à sua frente a mesma taça, e um prato muito pequeno. Ryo tinha também uma taça, com o mesmo tamanho e modelo de suas irmãs, mas enquanto as delas eram douradas com detalhes em esmeraldas e diamantes, a sua era negra, com detalhes em rubis e ônix, mas ainda assim era linda. Eu reparei nessas taças em nossa primeira refeição juntos apenas porque eram realmente belas e chamavam a atenção, mas nunca me perguntei sobre elas.

Sentei em meu lugar e enquanto eu comia, eles apenas bebiam em silêncio em suas taças, até que Ryo começou a brincar com Ariel, e então a falação de sempre surgiu. Comi apenas um pouco, concentrei-me mais em prestar atenção ao meu redor. Akemi falava apenas para soltar algum comentário sarcástico para atingir ou ridicularizar Ryo, mas ele sempre revidava e na maioria das vezes a deixava sem fala, e apenas voltava a brincar com Ariel. Decidi que era hora de satisfazer minhas dúvidas.

– Akemi-sama, eu tenho uma dúvida.

– Então, pergunte-me.

– Vocês que são descendentes diretos de um anjo e um demônio, precisam mesmo satisfazer essas necessidades humanas, como fome e sede?

Ela me olhou sorridente.

– Ao que parece você está realmente fazendo progresso, pensando sobre questões maiores e tendo consciência das coisas ao seu redor. Assim que começa. Sua mente ainda não está totalmente focada, por isso você antes nunca parou pra pensar por si próprio sobre isso ou outras questões, então isso é um bom sinal. Agora, respondendo à sua pergunta, não necessariamente. Como eu já lhe contei, ao ficar grávida de mim, meus pais tiveram que escolher um caminho, e decidiram por sofrerem uma redução drástica de seus poderes para se tornarem "humanos" e poderem seguir em frente.
Isso traz muitas consequências, e uma delas são as necessidades humanas, mesmo que em pequeno grau. Isso também passa para seus descendentes, em maior ou menor escala. Como eu sou uma híbrida, não necessito de comer algo por vários meses, se conservar bem minhas forças, até mesmo por dois ou três anos. Ariel por ter uma aura forte e necessitar de muita energia, necessita de uma pequena porção mais frequente, coisa de três a cinco meses. Ryo é muito consumido por sua aura negativa – o encarou profundamente mas ele apenas fingia não ouvir, – talvez se ele soubesse se controlar mais, não necessitaria de mantimentos uma vez por semana.

O Doce Lado do MalOnde histórias criam vida. Descubra agora