Uma bela manhã de domingo ensolarado era tudo que eu precisava para colocar a cabeça em dia, cochilar e quem sabe assistir um filme que eu realmente gostasse. Definitivamente não esperava passar o dia falando ao telefone.O mormaço que subia do chão me fazia suar, calado me abanava em busca de diminuir o incomodo.
O telefone toca e demoro para assimilar. O ócio quase me pregou uma peça, dormiria no sol escaldante se o telefone não tocasse. Preferiria torrar de baixo do calor do verão fluminense do que viver o que estaria prestes a acontecer.
- Alo? – Tentei ao máximo parecer exausto na tentativa de minimizar o diálogo – Alo? Pois não quem gostaria?
- Valéria
- Valéria? Desculpe-me, a senhora deve ter se enganado.
Prestes a desligar já pensando em como iria sanar o calor a senhora insiste:
- Meu nome é Valéria, nos conhecemos sim!
- A senhora vai me desculpar mas deve ser engano, tenha uma boa...
- Adalberto, nós nos conhecemos sim, vi na sexta-feira você sair de casa todo atrasado, esqueceu o relógio, abotoou a camisa errada. Adalberto eu vi você entrar no carro dar ré e só colocar o cinto depois de ligar o rádio como sempre faz.
Não havia maneira melhor de esfriar a cabeça, o frio no estomago quase fez o meu suor congelar.
- Eu vejo você irritado no transido enquanto tenta achar uma música bacana para ouvir – enquanto ela pausava para respirar, eu imóvel buscava folego – você chega o trabalho e pensa mal de alguns colegas, flerta com outras amigas, toma café, sem açúcar, odeia o gosto mas quer parecer diferente.
- Quem é você? Como sabe disso? – Minha voz tremula denunciava meu nervosismo – o que você quer de mim?
- Meu nome é Vânia, Vanusa – te olho, te espio tento cuidar de você, mas você não costuma me enxergar – a arrogância era a principal marca daquela voz rouca - Você chega em casa cansado, mas feliz pois descansa. Finalmente tem um tempo para mim.
Não suportei, desliguei o telefone sentando devagar imaginando se tudo aquilo era um sonho ou uma alucinação devido a temperatura.
O telefone toca.
A vertigem volta assim como suor frio que inunda minhas pálpebras.
- Alo, quem fala?
- Meu nome é Valquíria, as vezes você me ama e as vezes me odeia, as vezes que me quer por perto outras queres acabar comigo. Eu estou com você desde oitenta e dois, te conheço mais que você mesmo, estarei com você até a morte.
Paralisado me calo, não tento tomar nenhuma providência o medo me prende e nem sequem piscar consigo quanto mais desligar o telefone.
- O medo que sente agora é de me perder. Eu sou Valéria, Vânia, Vanusa, Valquíria, eu sou a Vida que passa e que te acompanha e que sentada te observa e envelhece junto a você. Eu sou a velha vida de um jovem homem que teve que temer a morte para valorizar... a Vida.
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Te conto uma crônica
Short StoryContos e cronicas que mudarão o modo como você vê o mundo.