Sentado de baixo de uma goteira, pouco se importava com a água que caia. Enxergado, porém ainda sujo, um rosto cansado e enrugado, parado olhava o movimento.Pensando involuntariamente, torturando-se com cada palavra que vinha em sua mente havia ali um mendigo em soliloquio quase que intermitente.
"Posso ser um vagabundo, imundo, sujo, moribundo posso saber rimar, mas me falta dignidade. Quem disse que me falta dignidade? Todos que me olham com desprezo pensando no pobre sujeito que falta se arrastar. "
" Ninguém sabe minha história, muito menos de onde eu vim acham que nasci ali na rua em uma noite escura e chuvosa como esta que hoje presencio. "
A enxurrada aumenta levando o lixo que engolido pelo bueiro some junto a escuridão.
"Eu fui deixado na rua, eu escolhi estar na rua uma realidade nua e crua que não para de me corroer. Eu penso, logo existo mas sei que eles insistem e não querer me ver. Eu estou aqui. Sou problema de saúde pública? Ou a doença a ser tratada é ignorância? Quanta arrogância. "
Raios e trovões. A água que caia lavava aquela alma encardida cheia de remorso e vazia de emoção.
"Alguns se atentam a mim, me alimentam, colocam um cobertor onde eu possa dormir, há quem me leve para passear em albergue onde eu possa tomar banho. Eu odeio banho, mas também odeio feder. Quem toma banho sou eu, mas quem fica com consciência limpa é quem vem me doa comida, água e alguns trapos que substituem os sacos que me escondem do frio. Quem dera se desse para doar amor quem sabe a chuva levaria consigo a dor que carrego no peito pelado e gelado que encubro com minhas mãos.
A água enchia a calçada de uma maneira que o mendigo teve que se retirar, perambulando pelas ruas cambaleando tentou não cair mas falhou.
Caído na guia com a água enregelando seu corpo seminu, não se mexia, mas ainda pensava em um soliloquio quase que intermitente.
"Nunca fui burro, pobre sim! Nunca fui preso, mas preto sim! Nunca fui nada além de um homem pobre e preto que vive na rua. Hoje não sou nada, amanhã talvez serei: um número nas estatísticas das vítimas do frio.
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Te conto uma crônica
Short StoryContos e cronicas que mudarão o modo como você vê o mundo.