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            Eu vou me casar daqui um mês. E não é como se eu esperasse por esse dia toda a minha vida, na verdade, tenho repulsa dessa data desde que fui notificada dela aos 9 anos de idade. Meu futuro está traçado há 10 anos e ainda hoje não consigo aceitá-lo. Nunca foi meu sonho casar, mas sempre que pensei nesse grande momento imaginava ser por amor e não por negócios de família. Eu vou me casar daqui um mês, e nem sequer sei o rosto do meu futuro marido.

- Camila! – Minha mãe falou interrompendo meus devaneios, e ao conseguir minha atenção, prosseguiu: – Você precisa ficar quieta para que a costureira termine seu vestido.

Devia ser algo como o centésimo ajuste que fazíamos no vestido. Ele era rendado todo detalhado, meu pai não economizara quando disse que queria sua filha fosse a noiva mais bela do vilarejo. Ele estava feliz com o meu casamento e realmente pensava que estava fazendo o melhor para mim, como sempre. Mas dessa vez ele estava errado.

- Não é como se eu não quisesse adiar isso. – Resmunguei alto o suficiente para ser ouvida por ela que decidiu ignorar-me e sair do quarto.

- Pronto, senhorita. – Disse Martina, a costureira, ao finalizar o seu trabalho. – Espero que esteja como desejou.

Caminhei em direção ao espelho sem muito ânimo, apenas o fiz por consideração à senhora que parecia estar satisfeita com seu trabalho e de certa forma, por curiosidade. Ao me deparar com meu reflexo não poderia estar mais maravilhada, de longe era o vestido mais belo que já tinha visto. Cada detalhe feito com tanto cuidado que meu coração se apertou por eu ter que usá-lo naquelas circunstâncias. Era tão belo que merecia alguém plenamente feliz para casar-se com ele.

- Ele é..... Maravilhoso. – Disse praticamente em um sussurro contendo as lágrimas.

Continuei encarando meu reflexo imaginando como seria minha vida depois do grande dia e desejando que eu tivesse pelo menos 1% da felicidade que aquele vestido merecia, e após tanto tentar, não consegui segurar a lágrima que insistiu em cair.

- Oh! Minha querida, não fique assim. Eu prometo a você que dará tudo certo. – Martina disse ao aproximar-se de mim com um sorriso terno em seus lábios, tocando meus ombros.

- Obrigada, Martina. – Disse sincera. Desde que começou a fazer meu vestido a via com bastante frequência e acabei desenvolvendo um carinho enorme para a senhora de riso fácil.

- Vem cá, pequena. – Ela disse esticando as mãos e me puxando para que sentasse com ela em minha cama.

Sentamo-nos na cama e por algum tempo só ficamos ali esperando que minhas lágrimas cessassem. Eu sabia que ela queria me falar alguma coisa, talvez também estivesse triste por aquela ser a última vez que iria em minha casa. Ela tocou meu rosto me fazendo olhar para ela.

- Olha, eu sei que você não quer esse casamento. – Ela disse pegando-me de surpresa. – Tenho notado isso desde a primeira vez que estive aqui. Você será a mais bela das noivas, entretanto parece ser também a mais infeliz. – Continuou com certa cautela e firmeza em suas palavras. – Escute: "Por trás do caos aparente, há uma ordem impecável" minha mãe sempre me disse isso e agora estou dizendo a você. Tudo tem um motivo para acontecer, Camila, dê uma chance para o seu futuro, porque quando você menos esperar o amor vai aquecer o seu coração. Não sei se vai ser com esse moço que será seu noivo ou com outra pessoa. Nem é possível saber quando. Mas esse dia e esse alguém chegará e todo esse caos em seu coração irá embora. – Ela disse secando mais uma vez as lágrimas que rolavam por meu rosto, e sorrindo ternamente completou: - E você, pequena, será completamente feliz.

Não sabia como reagir, fui pega de surpresa por suas palavras então apenas a abracei forte e deixei por alguns segundos que aquela senhora da qual mal sabia o nome fosse meu porto seguro no caos em que estava vivendo.

- Obrigada, Martina. – Disse soluçando. – Muito obrigada, de verdade.

- Você não tem que agradecer, criança. – Falou ainda com os braços em volta de mim. – Saiba que sempre poderá contar comigo, para tudo.

Ela disse aquilo com tanta certeza e confiança, que eu sabia com toda a minha alma que ela estava sendo sincera. E naquele momento me senti verdadeiramente feliz por ter alguém em quem confiar.

* * *

Após Martina ir embora, mamãe veio ao meu quarto ver como o vestido havia ficado, ela estava tão concentrada em organizar o casamento que por vezes esquecia-se de mim e me dava um pouco de paz. O fato dela querer tomar conta de tudo para que ficasse do jeito que ela queria (e não eu) na maior parte do tempo era uma dádiva e dessa vez não seria diferente.

- Ficou maravilhoso, Camila! – Ela disse ao analisar o vestido agora em um cabide no canto do quarto.

- É. Ficou. – Disse desanimada. Apesar da conversa que tive com Martina, ainda sentia a cortina de infelicidade pairar sobre mim.

- Você não pode fingir nem por um minuto estar feliz com esse casamento? Por mim? – Ela disse soando um pouco impaciente por minha falta de interesse notável.

- Esse casamento já é por vocês, mãe. – Falei alterando um pouco a voz. – O mínimo que você pode fazer é deixar com que eu expresse meus verdadeiros sentimentos já que tenho que conter minha verdadeira vontade que é não casar. – Continuei de uma só vez, quase sem respirar.

O silêncio que se seguiu era cortante. Eu conseguia sentir minha mãe tentando se controlar pela sua respiração. Nenhuma de nós ousou falar mais nada por um tempo até que ela começou de forma pausada e firme.

- A sua vontade é o que for melhor para sua família, Camila Estrabão. – Disse. – Você sempre soube que se casaria, não aja como se fosse uma surpresa para você.

Eu queria argumentar como fiz durante os últimos dez anos, mas seria em vão como todas as vezes. Então dessa vez, permaneci calada enquanto me revoltava internamente. Não ousei levantar o olhar para encarar minha mãe novamente, não por medo, mas porque não queria sentir raiva da mulher que me deu a vida. Permaneci olhando para o nada pela janela até que ela caminhou em direção a porta e antes de sair disse algo que terminou de destruir todo meu dia, semana, mês, ano, resto da vida.

- Finja estar feliz pelo menos na presença do seu noivo. Ele já está no vilarejo e virá conhecê-la no jantar sábado. – Disse fria e saiu.

Era pra ele chegar só na véspera do casamento. No início eu detestei essa ideia mas havia me familiarizado com o fato de poder ser eu mesma por mais tempo. Agora não mais. Daqui a 5 dias estaríamos frente a frente um do outro eu queria parar o tempo para poder pensar em uma forma de fugir desse destino. Mas não existia qualquer invento capaz disso. Não existia nenhuma forma que pudesse fazer com que eu fugisse do meu futuro. Não existia nenhuma forma de impedir esse casamento.

Eu me sentia cada vez mais sufocada dentro de mim mesma. Percebi que encarava o vestido no canto do quarto e que mal conseguia respirar. Precisava sair dali o mais rápido possível e só tinha um lugar no qual eu queria estar.

La Grotte ♦ (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora