A cidade

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A cidade era muito humilde - um jeito mais respeitoso para não adjetiva-la de pobre e horrenda. Pelo menos, no centro da cidade - exatamente no meio dela -, sobre todas as casinhas de madeira, praças curtas e ruas de paralelepípedos, estava a empresa de móveis de Roberto Riveira, a Riveira Móveis.
Ainda antes de ser inaugurada, Roberto prometera aos habitantes que ia acabar com as superstições e introduzir um sistema capitalista adequado à cidade. E, para provar o que dizia, comprou a praça onde os ocultistas, magistas e xamãs se reuniam com os habitantes para recitar orações, poemas, histórias e fazer rituais para a natureza.
No começo, os cidadãos estremeceram com a ideia de largar suas tradições, temendo a fúria dos que manipulavam os elementos. Mas o ser humano é materialista e quando viram que podiam encontrar poder nessa evolução, a aceitaram. Os manipuladores esperaram o povo agir contra aquela conspiração contra a Arte da Magia, mas nada aconteceu. Aos poucos, eles foram indo embora ou se unindo ao sistema.
Com o tempo, a moral ecológica foi desconstruída e começaram os desmatamentos em massa, a poluição do rio Prata. Os altares deram lugar para escrivaninhas. Os rituais deram lugar para cargas horárias extras para ganhar mais riquezas. Não se via mais estrelas no céu, pois as nuvens escuras as escondiam.
Vinte anos depois, a doença nasceu.

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