Cap 2 - A Chegada

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"Alguns destinos parecem estar perigosamente traçados"

O dia está nublado, e observo com apreensão o ônibus se afastar. Quando olho ao meu redor, pareço ter entrado numa máquina do tempo, ou caído num cenário de filme de terror. A velha pracinha do chafariz com os vários velhos sentados nos bancos, os paralelepípedos, as casinhas coloniais... tenho a impressão de que tudo está igual, mas como posso saber ao certo? A última vez que pisei aqui foi aos 9 anos.

A lembrança daquele dia ainda vive em mim... minha mãe teve uma crise histérica, e jurou que nunca mais colocaria os pés aqui, então juntou nossas coisas, enfiou tudo no carro e fomos embora. A partir daí, era a vovó que ia nos ver todo ano, até o início do ano passado, perto do meu aniversário de 21 anos. Ela me chamou no quarto e disse que moraria conosco porque se preocupava comigo, e achava que eu precisava dela naquele momento.

"Você está com quase 21 e essa é uma idade muito importante". Eu nunca entendi o porquê daquilo e ela tampouco teve a chance de se explicar melhor. Sete meses mais tarde e já estava na cama, mal conseguia falar, e então, finalmente, fiz 21 e ela se foi 4 dias depois.

O endereço para a casa está amassado em minhas mãos, mas eu não faço ideia de qual das ruas, ao redor da praça, preciso pegar para chegar até lá. Estou cansada e com fome e não estou a fim de ficar rodando essa cidade feito uma barata tonta, então me dirijo até a mercearia, do outro lado da rua, para coletar alguma informação. Os velhos sentados nos bancos me olham de cara feia e eu não preciso arrumar nenhuma inimizade no momento. O turismo aqui deve ser uma droga.

— Boa tarde — cumprimento assim que entro. A mercearia é velha como tudo por aqui. Um senhor bigodudo está atrás do balcão olhando para a rua com o olhar perdido. Será que só existem velhos nesse lugar? — Você sabe onde é essa rua? Tem um tempão que não venho pra cá e não faço ideia de qual direção seguir... — coloco o papel na frente dele, e os meus olhos passeiam pelas prateleiras de madeira quase vazias atrás do homem. Quando torno a olhar para ele, imaginando que estará lendo o endereço, ele, na verdade, sequer se mexeu, ou desviou o olhar da rua. Continuou na mesma posição, como se eu não tivesse dito nada.

Quanta hospitalidade!

— Tardes, Seu Luiz.

Viro-me na direção da nova voz, e sou surpreendida por um garoto loiro magricela da minha idade.

— Opa— ele diz se aproximando. — Tudo bem aí?

Pego o papel do balcão e entrego a ele.

— Será que você pode me dizer em qual direção fica essa rua? Eu morrendo de fome e super cansada. Só quero chegar em casa logo...

O rapaz segura o papel e me olha com interesse.

— Claro! Te levo até lá.

— Ah, não precisa, eu posso ir sozinha, é só me dizer...

— Não, imagina, faço questão — ele sorri e me olha de um jeito que me causa arrepios, mas não no bom sentido.

Não Fale Com Os Mortos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora