Cap 5 - Boas-Vindas

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"Nós somos os monstros que habitam a escuridão. Nós somos o que você teme do fundo da sua alma"


Meus olhos permanecem colados no binóculo.


— Não precisa ficar vidrada aí... — ele olha no relógio de pulso— ainda faltam 15 minutos.


— São tão pontuais assim?


— Com certeza— ele sorri e fico me perguntando por que ainda faz isso perto de mim... se ao menos soubesse o quanto odeio esse seu sorriso... — Olha, sei que você está chateada comigo... mas eu disse que não era pra nadar para aquele lado...


— Por que me levou pra lá?


— Eu só queria te levar pra fazer algo divertido...


— Acha aquele lugar divertido?


— Nas margens sim...


O tom que ele usa, volta a ativar certa pena dentro de mim. Talvez Maurício seja só um morador carente por companhia, e se aquela for a única diversão deles, as pessoas daqui realmente vivem tempos difíceis...


— O que eram aquelas coisas? — pergunto numa voz trêmula, e hesitante, e ele me olha.


— Que coisas?


— No rio...


A expressão do menino continua artificialmente confusa.


— Você mente pra mim. Não disse nada sobre o ônibus... devia ter falado antes da gente ir, devia ter me avisado.


— Eu não queria te assustar... além do mais... não adiantaria nada... só faria você ficar com medo por mais tempo...


— O que sabe sobrea minha avó? Como me conhece?


— As pessoas falam...


Estreito os olhos, e consigo sentir mentiras em suas palavras hesitantes.


— Está na hora... — ele aponta para a praça lá embaixo e eu volto ao binóculo na mesma hora.


Num primeiro momento, tudo continua igual, até que vejo o primeiro deles se aproximar. Eles saem por entre os postes, surgem das esquinas, há pouco, vazias. Seus capuzes e suas túnicas não deixam nenhuma margem para dúvidas. Logo, vários rodeiam a praça, saindo das ruas laterais, ou parecendo simplesmente se materializarem no ar. Todos seguem ao centro, onde há o chafariz. O único encapuzado de branco aparece rodeado por vários outros, carregando tochas e fazendo filas ao seu redor, como se quisessem protegê-lo. O cortejo segue o destino, juntando-se aos outros, até que minha atenção é atraída para o canto oposto da praça onde outro cortejo chega com mais tochas, carregando um homem desacordado numa maca. Seus cabelos pretos estão despenteados, e o meu estômago embrulha na mesma hora. Saio do binóculo.

Não Fale Com Os Mortos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora