Cap 4 - O Rio

5.1K 590 320
                                    

"E o que somos nós, afinal, além de meros reféns de nossas escolhas?"

Quase não consegui dormir à noite. Acordei toda hora e só ficava satisfeita quando via que a janela estava trancada. Agora estou sonolenta e cansada, e acho que a melhor opção para mim é voltar pra casa. Eu não sei o que significam aquelas fotos, e nem sei se quero saber. Por que minha vó guarda aquilo? Quem são aquelas pessoas? As perguntas fazem eco em minha cabeça. Nunca estive tão perdida.

Resolvo ir até o espelho de rosto, pendurado num canto da parede do quarto, para pentear o meu cabelo. Gosto de fazer isso quando estou nervosa, ou quando estou precisando pensar. Tenho a impressão de que me acalma, mas na verdade sei que só me deixa mais ansiosa. Depois de 6 escovadas, tufos de cabelos forram o chão. Jogo a escova em cima da cama e respiro fundo. É só uma época. Não estou doente... é só uma época.

Depois do café, considero a possibilidade de arrumar minhas coisas e ir embora, mas então me lembro da maldita escritura, e da assinatura que devo fornecer para conseguir vender a casa. Será que não posso escanear isso e mandar pra cá? É isso! Vou mandar tudo por e-mail, só preciso confirmar com o cara do cartório...

— Carolinaaa!

— Droga! —xingo baixinho. Esqueci completamente de que combinei com o garoto de ir ao tal rio. Que grande merda. — Já vou! — grito pra ele e me ajeito antes de ir até a porta.

O sol intenso de dezembro ilumina as ruas, e o menino está sorridente e animado.

— E aí, vamos?

Olho para ele e sinto dó. Não queria ter que iludi-lo, mas...

— Desculpa, não vai dar... acho que vou embora hoje...

Ele me analisa durante alguns segundos.

— Hum... olha, mesmo que você vá embora hoje, acho que podemos ir ao rio... ainda são 9:30, e você só vai conseguir ir embora mais à tarde...

Penso em sua proposta durante um tempo. Não seria mesmo má ideia ir a um ribeirão me refrescar e esquecer um pouco dos problemas. Podemos voltar na hora do almoço e ainda terei tempo de me arrumar e ir ao cartório. Ótimo. Que se dane. Preciso mesmo me distrair.

— Tá... vou me arrumar... —dou meia volta e entro, mas paro no meio do caminho e volto para a porta—tem certeza que dá tempo, né?

— Claro... vamos só conhecer e nadar um pouco se você quiser...

É tudo o que eu preciso. Começando a me sentir animada, troco de roupa. Depois de alguns minutos, estou de volta carregando uma bolsa de praia que encontrei nas coisas da vovó. Começamos a atravessar a Cidadezinha, que está com o mesmo movimento de sempre, tirando um ou outro carrão estacionado em torno da praça. Não sei o que turistas veem nesse lugar. Sério, do que eles gostam mais? Da praça cheia de velhos, ou da múmia da mercearia? Sinto um arrepio ao me lembrar dele e balanço a cabeça, tentando expulsar os meus pensamentos.

Não Fale Com Os Mortos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora