Cap 1 - Segredos

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"(...) Aqueles que peregrinam entre vós que comer algum sangue, contra ele me voltarei e o eliminarei do seu povo. Porque a vida da carne está no sangue" (Levítico 17:10–12)

Minhas mãos estão sujas de sangue e está tudo escuro ao meu redor. Tento forçar a vista para enxergar algo, mas é em vão. Um gemido baixo no chão chega até os meus ouvidos, até que sinto o sangue em outro lugar. Sei pelo cheiro. Minhas mãos vão até lá e conferem. É a minha boca. O gemido aos meus pés fica mais alto e sinto mais sangue em minha boca... e mais... e mais. A pessoa caída grita de dor.

Acordo com o coração martelando em meu peito e respiro fundo. Nada aconteceu, só o sonho estúpido que venho tendo nos últimos dias. Minha mãe diz que eu deveria procurar um psicólogo, mas não sei nem como começaria essa conversa. Além do mais, não gosto da ideia de abrir o meu coração para estranhos e, a essa altura do campeonato, confesso que fico com medo. Vai que sou mandada para alguma instituição de pessoas com problemas mentais? Não. Não vou a psicólogo algum.

Os problemas que estou tendo são puro estresse. Ou talvez não, mas eu ainda me recuso a assimilar essa outra ideia. Até hoje não aceito que a minha avó se foi. Não aceito que minha mãe também esteja doente. Não aceito que talvez eu... ah, deixa pra lá.

— O que você vai fazer com a casa? — minha mãe pergunta enquanto encho minha caneca com leite.

— Nem pensei nisso ainda.

— Deveria. Na verdade, acho que você deveria vender a casa e ir para o exterior, como fez a Dani.

Reviro os olhos sem deixar que ela perceba. Por que nossos pais têm essa irritante mania de nos comparar com os primos?

— Dá um tempo pra menina, Julia — meu pai levanta os olhos do jornal.

— Não é questão de tempo, Alberto. Essa menina precisa tomar um rumo na vida! O que ela espera? Ficar por aí pulando de galho em galho?

Odeio quando falam como se eu não estivesse presente.

— Ela acabou de enterrar a avó! — ele continua.

— Mas ela precisa tomar uma decisã... — ela engasga e começa a tossir, alcançando um guardanapo na mesa e levando até à boca. Meu pai a olha, preocupado — Estou bem, não foi nada.

Antes de conseguir amassar o guardanapo, eu vejo: está cheio de sangue. Bem mais do que das outras vezes.

— Você mentiu pra mim — reúno minha coragem e começo. Meus pais me lançam olhares preocupados. — Disse que não tava doente coisa nenhuma. Eu não sou burra, mãe!

— Filha... eu... isso aqui não é nada...

— Ah não?! Mas isso é alguma coisa... — passo a mão pelos meus cabelos e seguro os vários fios que se soltam no ar para ela ver. — Eu doente também! — as palavras embrulharam o meu estômago. É a primeira vez que encaro os fatos.

Não Fale Com Os Mortos [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora