Que tipo de herói eu pretendia ser? Eu nunca pretendi ser um herói ou sequer sabia o significado da palavra.
A sociedade criou os heróis. Mulheres e homens com feitos importantes para o mundo ou para uma nação. O que era na verdade ser um herói? Nada disso, pelo menos não isoladamente. Os heróis não se medem pelos seus feitos, mas sim pelas suas decisões. Nunca me considerei um herói e não quis que o considerassem.
A América cresce um pouco cada dia e com ela cresce o crime, o suborno, a corrupção. Não apenas na América. O mundo está em guerra e nem os heróis conseguem parar a guerra dos homens. Os que vencem guerras são apelidados de heróis, "heróis de guerra". Como pode alguém ser apelidado de herói após ter sacrificado vidas para salvar vidas? Não me compete a mim julgar e luto, eu próprio, noutra guerra, uma guerra em que só eu posso lutar. O crime não vai acabar, nem a corrupção, mas enquanto houverem homens capazes de tentar pôr-lhes um fim, talvez possa haver esperança para outros homens.
Não vencerei sem lutar, magoar e matar. O mundo precisa de heróis que salvem a sociedade? Então e os heróis? Quem salvará os heróis?
Nós somos a primeira geração, fomos os primeiros a nascer para ser heróis ou, pelo menos, para ajudar a salvar os homens. Mais heróis também trazem mais vilões e por isso esta história não é sobre um herói, mas apenas sobre um homem que tenta fazer o que pensa ser correto. A questão é, quem serei eu (esse homem) para julgar o que é ou não correto?
O meu nome é Clive Huston Page e não sou um herói.
Era mais uma noite calma em Manorville, Dayton Avenue às 7:42 p.m., marcadas no relógio digital que se encontrava sobre a mesa-de-cabeceira do quarto do filho único da família Page. O jovem estava sentado em cima do parapeito da janela do lado de dentro do quarto, como costumava fazer todas as noites durante cerca de duas horas antes de dormir. Chuviscava lá fora e o seu olhar focava-se na luz dos candeeiros ao longo da avenida. Os postes de luz piscavam constantemente num raio de cinquenta metros, como se as lâmpadas fossem, a qualquer momento, fundir-se. Esse facto não o parecia perturbar minimamente. Todos os dias via as luzes da avenida apagarem-se constantemente por frações de segundo e voltarem a acender durante alguns instantes. O capuz cinzento do seu casaco negro encobria o seu rosto na escuridão do quarto, cuja única fonte de iluminação provinha do exterior, do luar.
Não sentia coisa alguma enquanto vislumbrava a avenida deserta, encharcada nas chuvas. Sabia que não voltaria a ter aquela perspetiva dos candeeiros à noite, nem sequer se voltaria a sentar no parapeito da janela do seu quarto.
Era um rapaz calmo e estranho, demasiado calmo, demasiado estranho. Não transmitia qualquer brilho dos seus olhos frios nem sequer fazia questão de demonstrar qualquer tipo de sentimento de afeto que nem tão pouco sentia. Os óculos por cima do seu nariz atenuavam a bênção que tinha recebido quando nascera a que chamavam miopia. Sabia que não era uma bênção, mas recursar-se-ia sempre a chamar-lhe uma maldição. Recusava-se a acreditar em destino ou em interpretações de deuses. Nunca fora compreendido, nem pelos seus próprios pais, mas agora, com dezasseis anos, não mais tencionava que alguém compreendesse o que ele próprio não sabia se compreendia.
A porta do quarto, que estava antes entreaberta, rodou para trás e alguém enfiou a cabeça do lado de dentro.
– Clive. – fez uma pausa para suspirar. – Porque continuas a ficar às escuras no teu quarto durante horas? Desce daí e veste o fato, agora. Estamos atrasados. Saímos em dez minutos.
Sim, era eu aquele rapaz de dezasseis anos. A minha história começou realmente naquele dia, naquela noite. A mulher que me falou era a minha mãe. Olhos verdes, cabelo escuro, quase negro, pele ligeiramente morena e dedos finos, sempre gelados como o meu coração. No fundo gostava do filho que tinha, mas odiava pensar que eu era estranho assim. Ficava horas no escuro a ver a rua, imóvel e em silêncio. A verdade é que nunca fui uma criança muito funcional e equilibrada. Não brincava da mesma forma que as outras crianças o faziam, aliás, nem tão pouco diria que alguma vez soube o que brincar realmente era. Nem sequer entendia o propósito da minha vida, tal como não entenderia o propósito do seu fim e, portanto, suicídio nunca foi uma opção para mim.
YOU ARE READING
Clive, The Black Page (Project Origin)
Science FictionOs heróis não têm de ser a tradição de antigamente. Quando Clive Page tem poderes que não reconhece, dos quais não faz a mais pequena ideia de onde poderão ter surgido nem como os controlar, começa a sua busca por respostas. Depois de apagar e ouvir...