Passaram-se dois lentos anos que se pareceram perder na história da minha vida. Dois anos em que não voltei a ouvir nenhuma das vozes que ouvira no dia em que assassinara aquele homem com as minhas próprias mãos. Quase me esqueci da presença dessas vozes. Cheguei até a pensar que teriam desaparecido para sempre juntamente com os meus poderes que não se voltaram a manifestar.
A minha vida deixou de ser digna de ser, sequer, vivida desde o dia em que escutei aquela voz pela primeira vez na minha cabeça. Desde o dia em que assassinei os meus próprios pais por vontade própria. Depois acordo num hospital sem saber como o tinha feito, como tinha causado aquele acidente e volto a ser abordado por estas vozes que me manipulam para fugir daquele hospital, jogando com a minha mente de formas diferentes. E, finalmente, acabo por assassinar um criminoso abusador sexual, numa forçada escolha de fazer justiça pelas minhas próprias mãos, naquela mesma noite.
Os ficheiros policiais sobre mim tinham alguma informação confusa sobre mim quando me encontraram e me detiveram nessa noite, mas jamais poderiam acreditar na história dos meus poderes e, não seria benéfico para mim que acreditassem. Ainda assim acharam que escondia alguma informação, por outro lado a vítima dos abusos sexuais testemunhou a meu favor, embora isso não deixasse de me tornar um assassino. Ninguém conseguiu encontrar a causa da morte do homem não havendo arma na cena do crime e não sendo possível, como é óbvio, eletrificar alguém com as próprias mãos. Ainda assim fui o único suspeito encontrado na cena do crime a segurar o violador nos seus últimos momentos de vida. Fui dado como culpado e graças a todo o meu historial desde o acidente, ou seja, a morte dos meus pais e a fuga do hospital, foi-me diagnosticada uma espécie de estado de demência mental. Dei entrada num hospital psiquiátrico, que não soube onde se situava, durante a maior parte do tempo e durante os dois últimos anos foi lá que vivi como se de uma prisão se tratasse. Uma prisão para insanos dementes.
Fui questionado várias vezes assim após a minha detenção. Mantive sempre o olhar fixo no do agente que me fazia as perguntas e tentava ser o mais curto possível, sem contar toda a verdade ou, até parte nenhuma dela, por vezes. Os relatórios iniciais da polícia declararam-me delinquente e assassino, embora, juntamente com os relatórios psiquiátricos, tenha sido dado como psicologicamente frágil e devido a danos causados durante a fuga do hospital em Manhattan (que ficou com muitos pormenores por explicar) e o assassinato do violador (testemunhado a meu favor pela vítima de violação que quis ajudar) e à minha idade inferior, a minha pena foi o internamento naquele hospital psiquiátrico até certezas de melhoria e capacidade de autonomia. Os psiquiatras acharam que tinha sofrido um grande trauma com a orfandade repentina e era algo que podia acontecer a jovens da minha idade e, que, por isso, fugi do hospital. Teria roubado as roupas que tinha vestidas na altura porque precisava de estar vestido ao andar por Manhattan e acabei por matar aquele homem num ato desesperado de fazer justiça por aquela mulher que, no fundo representaria de alguma forma a culpa que sentia por ter sobrevivido ao acidente sem poder salvar os meus pais.
Depois mandaram fazer-me vários exames hospitalares e parece que nunca estive melhor de saúde, exceto por algumas escoriações e hematomas que trataram na hora. A partir daí, a minha vida rotineira foi apagando o meu passado problemático e em poucos dias poderia saber que viria a viver assim durante os dois longos anos que pareceram uma vida inteira. Todos aqueles dias a tomar os mesmos "não sei quantos" medicamentos que mantinham calmo, deprimido e silencioso.
Apesar de tudo, de terem atribuído a culpa do que fiz ao abalo da morte dos meus pais e ao estado pós-traumático em que me encontrava, nunca me chegaram informações sobre a morte dos meus pais a não ser da parte do seu advogado. O seu ex-advogado visitou-me num dos primeiros dias em que estive no maldito hospício e disse-me que receberia a herança dos meus pais assim que a minha crise psicológica tive passado e me dessem alta do hospital. A conversa foi curta e rápida.
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Clive, The Black Page (Project Origin)
Science FictionOs heróis não têm de ser a tradição de antigamente. Quando Clive Page tem poderes que não reconhece, dos quais não faz a mais pequena ideia de onde poderão ter surgido nem como os controlar, começa a sua busca por respostas. Depois de apagar e ouvir...