Depois das festividades que celebraram o aniversário da princesa, e depois que grande parte dos convidados de outros reinos voltaram para suas terras, Avery pode apreciar o maravilhoso presente de seu pai com mais atenção. Ela despendia horas a cantarolar e a pentear os cabelos todas as manhãs. Com o passar de algumas semanas, ela deixou de comparecer ao café da manhã com seu o rei seu pai para ter mais algum tempo para se pentear e foi se tornando cada vez mais irritadiça e reclusa ao seu quarto. Dispensava até mesmo a companhia das suas queridas criadas.
Vendo que a princesa se tornava diferente, Loryn e Dorothy convenceram-na a procurar a ajuda de uma ninfa do bosque. Avery não estivera muito disposta, mas gostava muito de suas criadas e foi obrigada a reconsiderar que algo mudara seu humor nos últimos dias. De qualquer forma, se estivesse doente, a ninfa do bosque que também era sua madrinha desde o nascimento, saberia como resolver o caso.
Para não causar alarde, as três jovens deixaram o castelo durante a noite, protegidas por capuzes, de forma a não serem reconhecidas por ninguém. Todos sabem que se você vai visitar uma ninfa, deve sempre fazer isso no mais profundo sigilo. O chalé de Melíadre, só podia ser encontrado por seus protegidos. Era preciso usar a estrada real, passar pela ponte sobre o lago Salgado e enfim se chegava a floresta dos lilases. Então para aqueles de bom coração e intenções puras, o pequeno chalé em rústicos tijolos vermelhos surgiria no centro de uma clareira.
As três moças caminharam em direção a porta e bateram duas vezes. A porta se abriu logo em seguida, e as três entraram, ficando momentaneamente perdidas com as várias portas fechadas.
— Que estão fazendo aí? Venham. Eu já tenho conhecimento do que vieram procurar.
Uma luz lilás escapulia por debaixo da porta de onde viera a voz. Avery tomou coragem e empurrou a porta. Tudo estava lilás dentro do lugar e Melíadre trabalhava com afinco em uma roca de fiar. Os tons lilases vinham de uma única chama azul dentro de uma estranha luminária.
— Não estás doente, jovem princesa. Não ainda.
— Que devo fazer então, madrinha? — Avery se ajoelhou diante da ninfa. — O que me acontece para que eu me sinta tão infeliz?
— Minha querida menina, o presente que recebestes não é um objeto qualquer. Ele pertenceu a uma grande rainha de um reino distante que intitulava-se Olden. O espelho foi lhe dado por seu noivo amado, no dia em que se casaram. O jovem rei apreciava muito a beleza de sua esposa, que era a mais bela de todo o reino, e pensou que o mimo a agradaria. De fato a agradou muito e a rainha adorava seu reflexo dia e noite, até que seu rei apaixonado falecesse em uma guerra terrível. A jovem rainha sofreu muito a morte do esposo. A perda de seu amado lhe endureceu o coração e a rainha mirava-se no espelho, dia após dia, repleta de amargura e ódio. É certo que faleceu antes de seu tempo, tamanho eram os maus sentimentos que carregava no coração. O espelho por fim, tornou-se amaldiçoado, iludindo belas jovens para sugar-lhes os bons sentimentos. O presente de seu pai é uma desgraça terrível e precisas se livrar dele.
Avery, embora se sentisse diferente, sentiu um aperto no coração ao simples pensamento de ter de se desfazer de seu amado presente. Ela nunca tivera um espelho e acostumara-se a admirar-se todas as manhãs. Mas ao sentir os olhos das outras duas jovens sobre ela resgatou a sensatez.
— Que devo fazer?
— Precisa quebrá-lo e depois trazer-me todos os estilhaços, cuidando para que nenhum se perca. Seria uma desgraça ainda maior se um deles entrasse pelos olhos e atingisse o coração de alguém. Não haveria mais volta para essa pessoa. E lembre-se de não se mirar mais nele, não se sabe quantas vezes é preciso olhar até que não reste mais bondade alguma no coração.
Avery prometeu a ninfa madrinha faria da forma que ela lhe dissera. As três moças enrolaram-se em seus mantos e percorreram o caminho de volta para o castelo. Avery correu para o seu quarto e procurou não olhar na direção do imenso espelho. Fechou bem os olhos e cobriu-o com o mesmo tecido em que viera embrulhado. Então percebeu que o pouco tempo em que passara sem olhá-lo já havia se refletido no seu humor. Sentia-se muitíssimo melhor e agora estava certa de que devia quebrá-lo para o seu próprio bem.
Quis fazê-lo naquele momento, mas julgou que o barulho despertaria alguém no palácio, então concluiu que pela manhã seria melhor. Diria ao pai que fora um acidente e talvez ele não se aborrecesse pela perda do presente. Com esse pensamento, Avery caminhou para a cama e se aconchegou aos seus travesseiros. Quando amanhecesse, ela se livraria do terrível espelho da rainha de Olden.
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PALAVRAS: 818
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ESPELHO NEGRO
ContoO pai deu à ela um espelho e ela descobrirá os perigos da vaidade. Em seu décimo sexto aniversário, Avery fica encantada com o presente recebido do rei seu pai. O que é aquele objeto reluzente e sedutor, capaz de refletir tudo o que se expõe diante...