ONZE

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— Onde estava? — Lilian questionou. Seu tom era duro, mas também preocupado.
— Eu...é, eu...Eu fui...
— Hm?
— Eu estava com o Jean. Pode perguntar!
— Jean Baptiste?
— Uhum.
— E onde estava com ele a essa hora? Mamãe sabe que você saiu?
— Não, Lilian, ela não sabe. E, se não se importa, prefiro que continue assim e acho que devemos ir dormir.
— Depois que você me contar para onde foi com uma cesta, levando comida e lençóis. — Lilian puxou uma cadeira da mesa e sentou-se. Como ela sabia? Claire perguntou a si mesma. Não trouxera a cesta consigo, havia deixado com August, ainda havia comida para ele até que ela conseguisse levar mais.
— Você...? Você me viu saindo? Mas você estava dormindo.
— É, eu estava dormindo, mas acordei e vi que você não estava assim como as suas cobertas, a capa e metade do bolo de cenoura. Foi ver o August, não foi?
— Quer saber? Eu fui, sim. Isso não é nada justo, Lili, ele não fez nada. — lá estavam de novo, as lágrimas de tristeza e raiva manejando seus olhos.
—Eu também não gosto dessa situação, Claire. Mas o papai disse que não devíamos ir lá, isso pode complicar as coisas.
— Quem se importa? Ele não fez nada. Você não se importa? Ele é seu amigo. Ele ama você. E você realmente só quer saber do que o papai disse que podemos ou não fazer? Sério? — Agora era Claire quem olhava para a irmã com dureza.
— Calma. É claro que me importo com o August. Mas se tiver sido mesmo ele...
— Não foi ele, Lili! — Claire a interrompeu. — Será que ninguém me ouve? Não foi o August, eu sei que não foi.
— E como pode ter tanta certeza de que não foi ele?
— Porque foi um animal, um lobo, talvez, não é óbvio?
— Johan acha que August usou um punhal para fazer aquelas marcas.
— Johan é um idiota, é isso o que ele é! — A voz de Claire saiu mais alta do que pretendia. Por que era tão difícil acreditarem nela? Será que ninguém mais via o quão injusto era aquilo com o August? — E não importa o que Johan diz. Não importa o que ninguém diz. Eu sei que não foi Augusto Jaggery quem matou a vovó.
— Como tem tanta certeza? — Lilian repetiu. Claire permaneceu em silêncio. Fitando os seus pés.
— Como tem tanta certeza, Claire? — insistiu. — Tem algo que não está me contado, não tem? Não importa o quanto force minhas memórias, não consigo lembrar da vovó saindo para ir buscar água. E isso não paresse algo que ela faria, sair tão tarde só para pegar água. Não estávamos sem água. O que está me escondendo, Claire?
— Nada. — Sua voz agora foi quase inaudível. E se Lilian lembrasse a verdade? Tudo estaria perdido. Porque ela estaria perdida e sua família iria junto. E ninguém as salvaria dessa vez. Não haveria nenhum caçador, porque August também não seria salvo.
Lilian colocou-se de pé e se aproximou da irmã.
— O que não está me contando?— perguntar novamente.
— Nada, já disse.
Seus olhos fixos uns nos ouros, eram como dois pares de estrelas colidindo na escuridão.
— Você está mentindo. — seu tom acusador foi o pior. — Eu sei que tem algo errado nessa história. Algo não faz sentido. E você vai me dizer o que é.
— Não tem nada, Lilian. Nada!
— Então por que você diz com tanta certeza que não foi August?
— Porque não foi!!! — Claire gritou. Não foi intencional, apenas abriu a boca e as palavras saíram carregadas com toda sua irritação e frustração.
— Se não houvesse nada escondido, você não estaria assim. Vou perguntar só essa vez e ou você me conta a verdade, ou eu digo que Johan está certo e August será condenado. — Lilian não falava sério. Jamais faria algo para prejudicar August, suas palavras foram apenas um truque para fazer a irmã falar. Um truque tão tolo mas que despertou toda a raiva e senso de justiça de Claire, então, sem pensar, ela fez aquilo que não deveria de forma alguma fazer. Ela contou a verdade!
— Você não pode fazer isso! Você sabe, no fundo Lilian, você que não foi ele. Porque foi você! Você! Você fez aquilo! E August só estava tentando salvar você, salvar todos nós!
      Quando o rosto de Lilian congelou em completo desespero e confusão, Claire se deu conta do que acabara de fazer.
— O que, o que você está dizendo? Eu...? Não, eu não... Meu Deus, eu... Eu... Por que está fazendo isso, Claire? Por que está falando isso? — Lilian estava atordoada.
— Porque, Lili, infelizmente, é a verdade. — finalmente, ela deixou as lágrimas caírem outra vez.
— Não, não pode ser. Eu não posso ter feito isso. Eu não posso!
— E, de certo modo, não foi você. Na verdade, não foi você. Você, a Lili, a de verdade, jamais faria aquilo. Foi o lobo, Lili. Ele fez aquilo.
— O que está dizendo? — Lilian a encarou, confusa, perdida, atordoada.
Então, Claire se aproximou dela e contou tudo o que havia acontecido naquela noite, desde o momento em que acordou até o momento em que August saiu levando o corpo da avó delas para o riu.
      Ao concluir o relato, ela pediu a Lilian a mesma coisa que August havia pedido a ela: — Você tem que ser forte e corajosa agora, porque sua vida e a nossa depende desse segredo continuar sendo isso, um segredo. E não foi você Lili, foi o lobo. Não era você, eu sei que não era.
— Eram as minhas mãos, eu dei os golpes, então, sim, fui eu.
— Não, não. De algum modo, você não era você. Estava muito apavorada e desesperada, furiosa também, achou que era um lobo. Talvez o lobo seja algum demônio, Lili...
— Eu sou um monstro. — as duas irmãs choravam. Ambas se sentiam um monstro. Nenhuma das duas era.
— Não é. Você não é má, só que... Não sei, tem algo aí dentro — ela apontou para o coração da outra — que é. Mas mão é sua culpa. Você nem mesmo lembra.
— Mas...
— Lilian, prestar atenção no que vou dizer: não foi sua culpa. Seja lá o que é que há de errado com você, não é sua culpa. Mas ninguém vai entender isso e se souberem... — ela fez uma pausa, passou a mão no rosto. Parecia que nas últimas vinte e quatro horas, a garotinha havia crescido anos em maturidade. — se alguém souber a verdade, Lili, todos nós, eu, você, mamãe, papai, até o August, vamos morrer. Como os De la Barthe. Então temos que ser fortes agora, você consegue?
Lilian assentiu com um meneio de cabeça.
— Forte e corajosa. — disse Claire.
— Forte e corajosa. — repetiu Lilian.
           As garotas foram para o quarto e demoraram mais algumas horas até adormecer, vencida pela exaustão daquele longo e doloroso dia.
— Temos que salvar o August. — Foi a última frase que Claire balbuciou antes de dormir.
— Vamos salvá-lo. — Lilian afirmou.
E dormiu pensando nele. Como August, do outro lado do povoado, também adormeceu pensando nela, na pequena Claire e na fuga que se aproximava.




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