Você pode ser quem quiser.

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Eu estava totalmente louco. Sim, louco mesmo! Acordei tarde, tomei café junto com o almoço, dormi no meio do tapete da sala e ainda li uns artigos sem pé nem cabeça na Internet. Você deve estar se perguntando: "Mas, Guilherme, você faz faculdade, trabalha, tem sua vida feita... por que deu essa loucura em você?"
Bem, vou começar explicando uma coisa, eu estudo e trabalho sim, mas não gosto de nada do que eu faço. Há uns anos, fui obrigado pelo meu pai a fazer Direito. Passei na melhor faculdade, e logo no segundo ano consegui um bom emprego. Eu achava que estava feliz por ver a felicidade exalando de meu pai, ele, um senhor de idade, cujos sonhos foram dissipados em sua adolescência pelo meu avô, vivia sua vida amargurado por não fazer e estar onde gostaria, mas quando soube que seu único filho passara em uma federal e faria seu curso preferido, não teve um dia em que eu vi meu velho chorar - só era de emoção mesmo.
Perdi minha mãe, sua esposa, faz uns 7 anos, e desde então achei que meu pai desistiria de tudo, mas não foi bem assim... me ver como um Promotor de Justiça, era o que fazia com que ele se tornasse vivo outra vez. Fui sim obrigado a fazer a prova, o cursinho, a faculdade em si. Fui obrigado a aceitar o emprego, a ter amigos advogados... a ir em festas que segundo ele seriam "boas para bons contatos", vivi uma vida longa em menos de 5 anos. E como isso? Ah! Simplesmente porque não era eu ali. Era uma parte pequena e talvez inexistente minha que fazia eu ficar firme em meio àquela vida que não me pertencia. Via meus primos fazendo moda, engenharia, arquitetura, letras, biologia, medicina, publicidade e várias outras áreas que - vamos combinar, são muitas - porque realmente queriam fazer. Eu tinha um amigo, apenas um na época da faculdade que não queria estar ali também. Eu tinha inveja de quem chegava para os pais e dizia "Eu quero fazer Turismo!", inveja? Mas... inveja? Sim! Inveja! Meu sonho, desde criança sempre foi fazer turismo, viajar, conhecer novas pessoas, novos lugares... as culturas... tudo! Eu me encanto, me apaixono só de ouvir falar. Isso foi tirado de mim, quase que à força, levei um castigo e vários palavrões quando disse aos meus pais que era o que eu queria fazer.
Isso é um absurdo. Pais quererem que nós, sejamos a cópia deles ou quem eles não puderam ser... chega ser ridículo. E aquela velha história de "Quero ver você feliz", "Me preocupo com você"? Se, ao menos, se preocupassem, deixaria-nos voar, realizar nossos sonhos, deixariam nós sermos quem quiséssemos ser. Eu não concordo com essa ideia de que devemos fazer o que vai nos dar dinheiro. Aqui estou eu, com meus 25 anos, solteiro - embora tenha alguns contatos por aí... - sozinho, rico, bem sucedido, mas repito: sozinho. Posso ser rico, mas o que o dinheiro me proporciona? Que eu não passe fome? Que eu não morra de frio? Que eu não tenha que arrastar meu corpo nu no asfalto para poder ganhar uns trocadinhos? Eu poderia estar ganhando menos da metade do que eu ganho hoje, mas estaria em Paris, Las Vegas, Veneza, Dubai... meu pai se orgulharia de mim? Com certeza não. Mas, e agora? Depois de um mês que ele se foi, será que lá de cima ele perceberia que estou infeliz? Estou me arrastando pelo chão da sala, tentando não sentir o frio que vinha da janela aberta do meu espaçoso apartamento. Meus olhos começaram a lacrimejar e eu lembrei de muitas coisas que meu pai me dissera: "Você só vai casar quando se formar", "Vai comprar esse carro, não esse.", "Essa é uma roupa que um Promotor pode usar"... eu percebi que fui controlado, amarrado, pichado, e devorado por mim mesmo quando aceitava calado suas imposições. Mas o que é que eu fiz esse tempo todo? Estou aqui, rico e bebendo do melhor vinho que se encontra no meu frigobar, mas o coração está frio, apertado, quase que doendo como se eu tivesse levado uma facada no peito.
Liguei a TV e suspirei. Estava passando um documentário da History Channel. Era um cara super simpático falando sobre montanhas. Ele estava entrevistando alguns habitantes de lá, e chegou para um menino e perguntou: - Você tem coragem de se mudar daqui? - O jovem disse: - Eu amo este lugar. Mas, para ser quem eu quero ser, preciso ficar um tempo fora. - O repórter sorriu, e disse: - E o que você quer ser?
- Quero ser dançarino! - Ele respondeu sorrindo.
Não pude deixar de notar a cara que o repórter estava, ele ficou meio sem entender, totalmente perplexo, comentou: - E você acha que vai conseguir? - O jovem arqueou uma sobrancelha e falou instantaneamente: - Eu posso ser quem eu quiser!  
- Eu posso ser quem eu quiser!  
Gritei, do chão da minha sala. Meio bêbado, meio louco, mas com muita certeza.
Era o que eu faria. Pegaria meu dinheiro todo e me arriscaria fazendo um intercâmbio. E foi o que eu fiz. No dia seguinte, já estava sóbrio, juntei minhas coisas, deixei as chaves do apartamento com um corretor, peguei meu dinheiro e fui para Veneza atrás de um curso de Turismo.

                              
                              ×××

Eu escrevi isso faz uns 5 anos. Mas nunca te contei, amor. Nunca te contei por medo de pensar que eu era covarde, que vivi uma vida da qual não era para mim. Medo de achar que talvez se soubesse que eu era totalmente controlado pelo meu pai, iria terminar comigo. Mas hoje, faz 5 anos que nos conhecemos naquele aeroporto. Faz 5 anos que nos esbarramos enquanto eu tentava ler algo escrito em Italiano logo no meu primeiro dia aqui. Hoje, faz 5 anos que você decidiu ser minha amiga e me ensinar essa língua maravilhosa. Não demorou para se tornar o grande amor da minha vida, não é? Eu decidi lhe escrever, e mandar por e-mail, pois queria que sempre tivesse isso, quem saiba queira mostrar aos seus alunos da faculdade, ou aos nossos filhos. Eu resolvi me abrir assim, para que você e quem mais possa ler, entender uma coisa importante: Você pode ser quem quiser. Eu sei que seu pai, ou sua mãe, ou seu irmão ou qualquer outra pessoa pode até querer que você faça outra coisa. Não deixe, por favor, não deixe! Eu passei anos fazendo o que não queria, vivendo uma vida que não era minha, apenas para fazer meu pai feliz e no fim das contas ele se foi cedo demais... deixando comigo meu arrependimento. Se eu tivesse ficado parado onde estava e não tivesse ido atrás do meu maior sonho, eu não seria casado com a mulher dos meus sonhos. Não estaria na área de turismo e nunca saberia o verdadeiro significado de ser feliz.

Você é dono de sua própria vida. Viva uma vida da qual vá se lembrar. E quando vier à mente tudo o que já fez: que você possa se orgulhar do lugarzinho onde está.

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Devaneios entre linhas (PRÉVIA)Onde histórias criam vida. Descubra agora