Estava começando a me acostumar com a rotina sem graça do acampamento Sol de Inverno quando o primeiro campista desapareceu.
Do nada Biley - um dos campistas populares que frequentavam aquele lugar desde que saiu das fraldas - resolveu entrar no meio de uma floresta nada interessante e nada perigosa junto de seus dois fiéis amigos para provavelmente procurar bichos nojentos e jogar nos outros. Com o tempo foi levantada uma certa tensão nas dezenas de campistas que os aguardava para começar as histórias de terror. Todavia quando o movimento das moitas pareciam indicar que estavam retornando, eram apenas dois dos patetas completamente aterrorizados e em um pânico impertinente.
Oh, talvez eles não fossem amigos tão fiéis assim.Todo o pessoal se olharam com a cara quem dizia "Opa, falta um" segundos antes de um grito rasgado tirar completamente o clima de uma noite normal para um muito mais aterrorizante.
Não é sempre que digo isso e provavelmente vou me arrepender por ter aberto essa boca, mas esperava que tivesse sido um demônio para deixar as coisas mais interessantes. Acontece que eu, Sadie; meu irmão, Carter; e a namorada dele, Zia; fomos obrigados a participar do acampamento de verão - que ironicamente tem o nome inverno - pelo nosso adorável e muito responsável tio Amós, com a ideia de que precisávamos obter "experiências sociais com pessoas normais".
Até onde sabia, era muito bem sociável com a deusa egípcia, o babuíno e o crocodilo, não entendia o motivo de nos ter colocado ali.— O que faremos? - Zia quis saber, ela parecia estar entediada. Nós ignorávamos os gritos que ainda insistiam em vir das outras barracas. Eram apenas crianças assustando crianças.
Já se faziam cerca de quarenta minutos desde que recebemos a chamada de recolher para os adultos procurarem Biley.
— Tanto faz - respondi, me cobrindo. Qual é, eu 'tava cansada. Ouvi outro grito do quarto ao lado. Imaginava se as meninas estavam tentando adivinhar alguma forma tortuosa de Biley ter morrido. Desejei que calassem a boca por dez minutos.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo as movimentações isoladas e alguns "BILEY SUMIU?!" dos desinformados, ou apenas dos que não prestaram atenção em nada até ali. Não demorou ao tédio voltar a ser tão grande que me segurava para não sair do quarto e ir ajudar nas buscas. "Hey, eu sou Sadie, posso ajudar a ver quem matou o meu colega? Consigo fazer uns truques muito loucos com a minha varinha" será que colaria?
— Vocês duas não estão com medo do que pode ter acontecido com o Biley? - Alexia, a nossa colega de barraca, perguntou, sua voz era falhada e aguda. Sim, eu e Zia não conseguimos ficar sozinhas numa barraca, mas quase sempre Alexia ficava no próprio canto. Ela e Audrey, uma garota de outra barraca, estavam agarradas com o lençol passando pelas suas cabeças, em uma tentativa hilária de tentar fugir de alguma coisa.
— Você não deveria estar na sua barraca? - Zia questionou, erguendo uma de suas sobrancelhas. Audrey deu os ombros.
— Não é como se fossem sentir a minha falta - ela respondeu. Zia se virou e balançou a mão, em um gesto indiferente
— Biley nunca nos tratou bem, então não tenho que ficar toda preocupada. Mas e você? - ela apontou para Alexia. — Por que se preocupar com o idiota ficava te azucrinando? - balancei a cabeça tentando evitar que a menina começasse a chorar ali mesmo.Zia era quem mais precisava estar naquele acampamento para aprender a não ferir os sentimentos com seu tom acusatório. Entretanto apenas lembrar de Biley jogando ovos na cabeça de Alexia no primeiro dia de acampamento, me deixava furiosa.
— Bem que ele poderia ter caído em uma das armadilhas que fizemos hoje, seria divertido - comentei. Zia sorriu e concordou comigo.
— Cruzes! - Audrey se manifestou, se encolhendo mais para dentro do lençol. — Deus tenha piedade de suas almas.
Minha risada se tornou uma gargalhada, elas estavam abismadas demais para serem levadas a sério. Quase desejei que Carter estivesse ali para compartilhar aqueles momentos naturais de angústia e medo.
— O que podemos fazer? Ele deve ter se perdido por aí e os amigões dele o abandonaram. Não vai demorar muito para o garoto ser encontrado e todo mundo viver feliz para sempre. - Zia disse.
Audrey não parecia convencida com o argumento, mas antes que pudesse respondê-lo, o nosso gentil e adorável e musculoso guia, Sr. Montanhez, abriu a barraca, ele estava todo sujo e suado, a única coisa que se destacava eram aqueles olhos azuis brilhantes e, claro, seus músculos. As garotas eram caidinhas por ele. Eu não. Lógico que não.
—Meninas, desculpe entrar sem nem avisar, mas precisamos fazer a chamada para confirmar que foi apenas Biley que desapareceu. Será na fogueira em dez minutos - e saiu tão rápido quanto entrou. Em uma hora de buscas, não encontraram o menino?
Zia, a única que estava de pé, deu de ombros, pedindo para que nossas colegas de quarto saíssem à frente. Quando ficamos apenas nós, ela começou a fuçar sua mochila e conferiu sua varinha, com uma cara de repente séria.
—Acha que pode ser algum demônio? - questionei. Trazer nossas armas era algo que Zia insistiu que fizéssemos, apenas por precaução. Confesso que não estava levando a sério a situação de Biley até Zia tomar aquelas atitudes. Ela me encarou, seus olhos de âmbar deixavam claro que ela não estava brincando.
Apesar disso resolvemos deixar as varinhas na barraca, mas ao primeiro sinal de movimentação de alguma monstruosidade egípcia, iríamos buscar e começar o ataque. Acabei ficando eufórica, há dias estava querendo algo que vá além de cabos de guerra ou ficar pendurada em cordas pelas mãos, uma suposta luta colocava meu corpo novamente em alerta, a adrenalina vinha em minhas veias e me sentia completa de novo.
Por Rá, estou ficando louca.***
Não demoramos a encontrar o meu irmão, que acabou ficando em uma barraca um pouco distante da nossa. Ele estava igualmente agitado, mas mantinha as mãos nos bolsos. Acabamos nos sentando um ao lado do outro, Zia pediu a Carter para ficar observando o movimento nas partes mais afastadas, se outro campista sumir seria sinônimo de que a coisa estava ficando feia e que precisaríamos entrar em cena. Tenho certeza que ela torcia para não nos expormos, apesar de ser um pouco impossível.
Os adultos haviam nos e a chamada começou a ser feita. Sempre que algum nome era chamado e a pessoa não respondia, o silencio predominava e meus pelos se eriçavam. O silêncio era o sinal de morte, naquele momento.
Olhava para a fogueira para tentar me distrair, até aquele momento quatro pessoas não tinham respondido a chamada e pelo que percebi duas delas eram da barraca ao lado da nossa. As que há poucos minutos eu reclamava. Apenas uma escapou, mas ela havia ido ao banheiro acompanhada com um instrutor no momento do desaparecimento. A chama da fogueira tentava aquecer os cinquenta e seis campistas restantes, mas todos ainda sentiam frio. Os adultos não sabiam o que estavam acontecendo. O líder, chefe, sei lá o quê que aquele homem barrigudo e ranzinza era do Sol de Inverno, andava de um lado ao outro, passando a mão pela sua careca que a fogueira fazia brilhar. Ele estava preocupado, seja com os desaparecidos, seja com o futuro do seu próprio acampamento.
Eu teria rido se a situação não tivesse piorado ainda mais.
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Mitos são Reais
FanfictionCarter, Sadie e Zia acabam indo para o acampamento Sol de Inverno para adquirirem experiências sociais e se mesclarem com pessoas comuns, entretanto eles acabam sendo atingidos de surpresa quando, em uma noite qualquer, o primeiro campista desaparec...