Parte 2 - Carter

56 8 4
                                    

Em resumo do que aconteceria a seguir, um campista foi levado na nossa frente, sem dó nem piedade, e sem vergonha na cara também. Quanta ousadia para um demônio!
Eu infelizmente conhecia a vítima, era meu companheiro de barraca e o cara que me distraía e me tirava da solidão após ficar numa barraca tão distante de Zia, Fred. Um conquistador e estereótipo, mas que tem uma personalidade gentil e, segundo ele, nunca fez garota alguma chorar. 

Aconteceu pouco antes do Sr. Montanhez terminasse a chamada, Fred tinha um sobrenome com alguma letra bem em baixo do alfabeto, então seria um dos últimos. Ele estava um pouco afastado de mim, queria oferecer um "ombro amigo" para uma garota por causa de toda aquela confusão; com o poder do seu carisma, ela tinha aceitado facilmente e logo conseguiu a façanha de ficarem abraçados conversando. Infelizmente eles também estavam mais afastados da turma do acampamento. Quando seu nome havia sido chamado, mal o ouvi respondendo, estava mais ocupado dando um selinho na garota, ela aparentemente ficou bem mais calma depois disso. Acabei o deixando para lá, em minha mente Fred sabia se cuidar, e eu precisava prestar atenção em pessoas que poderiam ser mais quietas e tímidas que poderiam desaparecer em instantes sem alguém perceber. Afinal não sou igual Sadie, que olhava para Sr. Montanhez tão hipnotizada que tive que dar um empurrão para acorda-la.

"Ai, para com isso, Carter, eu. Não. Gostava. Dele" ela disse depois, mas assim que encontrei o panfleto do acampamento pendurado no seu quarto justo na foto do homem, minhas conclusões já foram tomadas.

Foram necessários menos de três minutos de distração olhando para o perfil de Zia, deslumbrante, como sempre. Me virei na direção que Fred estava no exato momento da cena, aquela coisa provavelmente estava esperando que eu testemunhasse a glória em conseguir mais uma vítima. Um tentáculo - foi a única coisa que veio na cabeça na hora - viscoso chicoteou o ar, misturando-se as sombras das árvores ao redor da clareira, as fogueiras espalhadas não conseguiam deixar aquilo muito visível em meio a escuridão.

O tentáculo agarrou o pescoço de Fred, a garota ao seu lado gritou e deu um pulo, caindo para trás, naquele momento já estava me levantando para ajuda-lo, mas em questão de milésimos, meu colega de barraca foi puxado para trás com uma força surpreendente, seu tênis acabou ficando, e o grito alto e esganiçado que se afastava tão rápido foi a última coisa ouvida antes do silêncio se alastrar por nós.

Apenas uma troca de olhares foi necessário para produzir um plano de como chegar na barraca das meninas antes que percebessem algo mais suspeito - tipo um trio de adolescentes carregando espadas e falando em egípcio.
Os campistas estavam em desespero, alguns corriam até as próprias barracas para se esconder; outros iam até o trailer do diretor do acampamento e começaram a depredar o veiculo, cobrando segurança; e outros até mesmo começaram a entrar na trilha para fugir, confiando em suas memórias para saber o caminho de volta. Eram tantos adolescentes em total desespero que isso acabava sendo transmitindo para mim, Hórus dizia que eu tinha a alma de um líder; ver pessoas que estão no mesmo grupo desse jeito me deixa incompleto com minha missão.
As fagulhas da fogueira pareciam mais rebeldes, elas chacoalhavam de acordo com o movimento dos que passavam perto delas, trazendo um clima de mais terror.

— Sua espada? - Zia se virou para mim. Quando chegamos à barraca das garotas, Sadie foi a única a entrar para evitar problemas. Não tinha trazido minha varinha, já que a própria Zia e Sadie trouxeram as delas. Recuperei o ar, estendendo minha mão e puxando minha espada do meu armário invisível. Anos fazendo isso e nunca me acostumei com a regalia.

— Por onde vamos começar? - ela estava séria e ofegante, mas continuava fantástica.

— Vamos começar por onde o garoto desapareceu - ela disse — podemos aproveitar que estão todos... - Sadie saiu como um trator da barraca, seus olhos esbugalhados denunciaram que algo estava errado. Zia parou e perguntou o que aconteceu. Sadie continuou encarando-a por mais alguns segundos.

— Nossas varinhas... elas... elas não estão nas mochilas.

***

Não era legal ser o único mago de combate armado, mesmo que Zia e Sadie tivessem condições físicas e psicológicas - quer dizer, Zia sim, Sadie talvez - para lutarem contra algum demônio, ainda estaríamos em desvantagem dependendo do nível dele.

Elas perguntaram  para a colega sobre as mochilas logo que chegaram ali, pelo jeito estavam abertas, mas a menina negou ter voltado à barraca durante a chamada, pois estavam com medo. Não duvido, ela estava quase chorando ali mesmo. Sadie começou a aumentar o tom de voz e Zia inventou uma desculpa para sairmos dali.

— Não conte ao Montanhez, já voltamos! - ela disse. Tive que arrastar minha irmã antes que ela partisse para cima das garotas e aumentasse ainda mais o terror.

Chegamos até a fronteira com o bosque com facilidade, apenas uns desvios de gente que ainda conseguia gritar e alguns instrutores agarrando e levando os outros para as barracas. A maioria dos adultos estavam controlando os adolescentes que estavam sendo mais agressivos com o trailer do diretor do acampamento. Vi de relance, segundos antes de entrarmos no denso amontoado de árvores, os dois amigos de Biley, que haviam sido levados à barraca da enfermaria improvisada, correndo seminus, chacoalhando os braços e berrando "NÃO OLHE EM SEUS OLHOS". Foi uma visão chocante e nojenta, mas depois disso, tomei dianteira das garotas e quando ia pular por um tronco, algo bateu em mim e tudo ficou escuro. 


Mitos são ReaisOnde histórias criam vida. Descubra agora