O Negrinho do Pastoreio

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Um menino, escravo de fazenda, é espancado e largado nu sobre um formigueiro por ter perdido um cavalo baio. Reza a lenda de que no dia seguinte, o dono da fazenda foi surpreendido ao encontrar o menino sem marcas na pele referentes às chicotadas ou às formigas. Ao seu lado, uma imagem santa e muitos cavalos. O menino ficou conhecido como o Negrinho do Pastoreio. Daí por diante, quando se perde alguma coisa, o menino encontra e devolve a quem acender uma vela a sua protetora, que o livrou da tormenta.

Não foi essa versão açucarada que me contaram assim que eu vim passar parte das minhas férias na fazenda dos meus sogros. Aqui se conta que a verdadeira história é bem diferente. Me contaram que o escravo açoitado morreu com tanto ódio que continuou a vagar na Terra, sentindo raiva de todos os homens. Diz-se que os pobres coitados que cruzam com o Negro do Pastoreio sofrem sua ira e têm mortes dolorosas.

Por isso, todos aqueles que se aventuram para muito longe dos pastos ou nos estábulos durante a noite correm o risco de encontrar com ele e ter seus destinos selados pelo espírito vingativo.

Eu não acredito em lendas ou espíritos, mas os moradores da fazenda juram que essa história é verdade e contam diversos casos de mortes macabras que teriam acontecido com conhecidos de conhecidos, com parentes distantes ou antepassados. Eles morrem de medo de sair pelos campos sem companhia. Meu sogro me contou que foi extremamente difícil de encontrar um cavalariço que assumisse o posto.

Para mim essa não passa de mais uma história inventada para amedrontar os mais impressionáveis, como chupacabra e ETs.

Depois de mais um dia normal, finalmente chega a noite na Fazenda Ouro Preto. Depois de uma manhã preguiçosa e de uma tarde divertida tomando banho de lago, estamos sentados em volta da mesa de jantar fazendo nossas orações.

Ouvimos uma movimentação atípica na área externa e não demora muito para o cavalariço entrar afobado na sala. Ele vai direto falar com meu sogro, que adota um semblante preocupado.

- A Estrela da Manhã está doente. - meu sogro anuncia.

Estrela da Manhã é a égua preferida da minha esposa, Nora.

- O que ela tem? - Nora pergunta, levantando-se da mesa.

- Não sabemos ainda não, senhora. - o cavalariço responde - Ela ta bem inquieta, nervosa, e um pouco fraca. Ela não ta querendo comer.

- Como assim "não sabemos"? Precisamos descobrir o que ela tem! - minha esposa está exaltada.

- Eu nunca vi ela se comportar desse jeito. Já chamei o veterinário, mas ele só vai poder vir amanhã. - o homem justifica.

- E se ela não aguentar até amanhã? - Nora deixa escapar uma lágrima - Vou ficar com ela até o veterinário chegar.

- Que bem isso pode fazer, minha filha? - meu sogro interveio - Amanhã o Marcus vem e cuida dela.

- Na verdade, acho que uma pessoa lá pode acalmar ela. - o cavalariço comentou, mas se calou ao perceber o olhar fulminante de seu empregador.

Depois de muita discussão e algumas lágrimas, ninguém conseguiu demover Nora de sua decisão de ficar ao lado de Estrela da Manhã até a chegada de Marcus. Como fiquei receoso de deixar minha esposa sozinha a noite em um estábulo vazio, me ofereci para ficar com ela durante a vigília noturna.

A égua estava realmente abatida, mas pareceu confortada pela nossa presença. Fico observando a cena da minha esposa acariciando sua crina macia e pego no sono sem perceber.

Acordo não sei quanto tempo depois, sentindo uma respiração quente no meu pescoço. Abro os olhos e vejo minha esposa adormecida ao lado de Estrela da Manhã, que também estava serena.

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