23 de Abril

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Quinta feira, 23 de abril.

Eu estou escrevendo de um café. Geralmente eu escrevo no conforto da minha casa, mas hoje consegui sair um pouco mais cedo do trabalho e achei que uma troca de ares seria interessante. Como sempre, recorro a essas páginas brancas na tela clara do meu notebook sempre que algum assunto me desperta interesse o suficiente para escrever sobre o assunto. A pauta de hoje é amor.

Hoje, enquanto eu parava meus cinco minutinhos para engolir um sanduíche no meio do expediente, fiquei olhando pela janela da copa e vi um casal andando na rua de mãos dadas. Achei aquela cena tão peculiar... Acho que nem lembro da última vez que vi duas pessoas andando parecendo tão confortáveis ao lado um do outro. Eles tinham suas mãos entrelaçadas, conversando despreocupadamente enquanto caminhavam na rua praticamente vazia.

Eu acho que se tivesse que arriscar como duas pessoas apaixonadas devem parecer, eu chutaria que pareceriam exatamente como aqueles dois que vi na hora do almoço. Tranquilos, felizes e confortáveis. Mas claro que isso é pura suposição minha. Achar um casal apaixonado é tão provável quanto encontrar um trevo de quatro folhas.

O pouco que eu conheço sobre o amor, eu ouvi falar nos livros de antigamente ou pelas histórias da minha avó. Ela me conta com orgulho de que casou com meu avô por amor. Minhas primas e eu sempre escutamos atentamente suas histórias de como seu coração palpita mais rapidamente e como você sente um frio na barriga toda vez que está perto da pessoa que você está apaixonada. Depois, ela conta, a paixão vai sendo substituída por amor. E o desejo e a expectativa vão sendo substituídos por carinho, amizade e companheirismo. Quando eu era criança, achava essas histórias tão fantásticas quando as outras sobre unicórnios e dragões. Hoje em dia sei que minha avó teve muita sorte. É uma premiada, no mundo com milhões de outros que nunca vão conhecer o amor romântico. Amor entre pais e filhos, sim, esse sentimento todos conhecemos. Mas amor por uma pessoa que não tem esse laço de criação com você, isso daí é para poucos.

Minha avó sempre foi uma pessoa interessada em história. Ela estudava muito sobre costumes antigos e coleciona até hoje objetos de tempos passados. E em algumas dessas buscas por antiguidades, ela conseguiu garimpar em sebos verdadeiras relíquias: livros do tempo em que se falava de romance em páginas de papel impressas. Hoje em dia temos até medo de encostar nos livros da vovó, com medo de que se desfaçam nos nossos dedos. Então eu leio, no pequeno aparelho portátil, a versão digital dessas histórias de tempos longínquos, quando a sociedade ainda tinha essa estranha ideia de vincular o casamento ao amor.

Eu tenho muita dificuldade de entender como uma coisa tão objetiva como um contrato de casamento podia ser vinculada a um sentimento tão abstrato quando o amor. A verdade é que mesmo depois de ler tantos livros sobre o assunto, eu ainda acho complexo entender o que seria esse amor romântico. Contudo, eu até entendo por que a sociedade mudou seus parâmetros em relação ao assunto. Amar é muito complicado.

Em todos os livros, o amor parece que vem acompanhado de alguma dor também. Os relacionamentos entre os casais eram muito complexos. Traição, relacionamentos abusivos, ciúmes... Ciúmes! Não existe nada mais estranho para mim do que ciúmes em um casamento. Relacionamentos hoje são tão simples, tão diretos. Você é criado para construir uma carreira com base nas suas aptidões e no seu status social. Quando você, consolida uma carreira estável, geralmente por volta dos trinta anos, já é considerada uma pessoa apta a casar. Você então encontra um parceiro que tenha interesses semelhantes aos seus e estejam no mesmo patamar financeiro que você. E pronto. Simples assim. O novo casal negocia os termos da união, dividem as contas e decidem se querem procriar ou adotar uma família. Satisfazem entre si seus desejos físicos, as vezes procuram parceiros íntimos fora do casamento, mas quem se importa? Um casal não deve depender da aprovação ou do interesse do outro. Se estão juntos é porque assim o acharam pertinente. Isso faz muito mais sentido. Muito mais sentido do que ficar procurando uma pessoa que desperte sentimentos. Onde ficaria a parte prática do relacionamento? E se a pessoa não tivesse os mesmos objetivos de vida? Se o casal tivesse valores divergentes? Não me surpreende que havia tanto divórcio naqueles tempos. Acho que as pessoas deviam errar bem mais nas suas escolhas do que hoje, quando todo o histórico da pessoa é avaliado antes do matrimônio.

Eu ouço histórias de amigos dos meus amigos que se apaixonaram por seus cônjuges. Esse tipo de coisa me deixa com uma leve pontinha de esperança de que um dia aconteça comigo também. Amor assim é o tipo que todos mais desejam. Quando você encontra a paixão naquela pessoa mais adequada para compartilhar a vida ao seu lado. As minhas amigas falam sobre amizade e conforto ao lado do marido. Algumas vão mais longe e chegam a mencionar ternura. Nenhuma das minhas amigas, no entanto, me fala que se apaixonou. Eu penso nas histórias da minha avó, em como ela sorri abertamente quando lembra do seu passado de romance. Eu desejo isso para mim e todas as vezes que me pego pensando no meu futuro marido, eu faço um desejo de ter a sorte de um dia eu poder me apaixonar por ele também.

Minhas amigas me chamam de romântica. Às vezes eu também me sinto meio boba por pensar assim. É meio pueril pensar em sentimentos quando se fala de contratos de matrimônio. Por isso tento não criar muita expectativa em relação ao assunto. Por mais que eu deseje experimentar o amor, tenho que me conformar com a realidade. Tenho que aceitar que a maior parte das pessoas nunca vai saber o que é amar romanticamente. Nunca vai sentir aquelas famosas borboletinhas no estômago de que minha avó tanto gosta de falar. E as probabilidades indicam que tenho muito mais chance de ser como todas essas pessoas do que ser como minha vozinha. E eu não posso ficar infeliz por ser igual a todos os outros.

Eu já estou na idade boa para começar a pensar em casamento. Estou um pouco atrasada em relação às minhas amigas, porque decidi terminar o doutorado antes de começar a trabalhar. Hoje em dia estou indo muito bem no meu emprego. Meu pai fica animado ao ver meus progressos no trabalho, porque diz que assim eu conseguirei um marido de alto status. Sinceramente, eu nem ligo tanto para o status do meu casamento, contanto que meu marido não atrapalhe o meu progresso profissional. Farei questão de colocar isso no meu perfil.

A vantagem de estar um pouco atrasada em relação às minhas amigas é que já tenho excelentes indicações de empresas que organizam os perfis dos interessados em casamento. Em breve acho que já poderei selecionar entre essas indicações a empresa que me parecer mais alinhada com os meus interesses e poderei encaminhar meu perfil. Estou ansiosa para a etapa de entrevistas. Fico imaginando qual será a sensação quando finalmente eu der mach com um parceiro, quando finalmente vou conhecer meu marido. Casamento dá um bom status na empresa. Acho que conseguirei subir ainda mais na minha carreira depois do casamento, principalmente se as expectativas do meu pai estiverem corretas e eu conseguir um casamento com um homem de um bom status social. Juntos podermos nos apoiar nas nossas carreiras.

É nisso que eu tento focar quando começo a devanear sobre amor. Eu tento voltar à realidade de pensar na trilha de sucesso que poderemos, meu marido e eu, nos ajudar mutualmente a pavimentar. E isso me conforta. Fico feliz em pensar que poderei encontrar um parceiro adequado e que juntos progrediremos. E poderemos contar aos nossos filhos como nos escolhemos a dedo para construirmos nossa história juntos. Como pudemos encontrar a felicidade por meio do sucesso que um apoiou o outro para alcançar.

E com um sorriso no rosto, acho que posso parar de escrever por hoje. Já me permiti sonhar alto demais.

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