Phychi

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Dias de Sol em que se pode ver a Lua são especiais para mim. Enquanto alguns pontuam que não há lua no Japão e outros acreditam em bons agouros, eu tenho meu próprio motivo para gostar tanto desses dias: eu sou capaz de sair do meu corpo e entrar na mente de outras pessoas. Antes que você me chame de louca, preciso deixar claro que existem outros que nem eu. Somos um grupo, que nos intitulamos os Psychi. Essa palavra além de linda, significa "alma" em alguma língua. Pelo menos foi o que me disseram.

"Como assim 'sair do meu corpo'?", vocês devem estar se perguntando. Pois eu posso explicar. Todos nós temos almas, alguns de nós conseguem expelir nossa alma para fora do nosso corpo e fazê-la voar até encontrar outro receptáculo. Ao contrário do que a ciência diz, nossa consciência não está no nosso cérebro, e sim no nosso espírito. Sem uma alma, o corpo humano vive em seu módulo básico: respira, pulsa, vê, anda, mas não sente nem sabe.

Nós, os Psychi, não podemos mover nossas almas entre corpos a qualquer momento. No meu caso, eu consigo fazê-lo apenas nos dias em que o Sol e a Lua brilham no céu ao mesmo tempo. Em dias nublados, por exemplo, meu dom não se manifesta. Para alguns dos meus amigos, acontece em dias de eclipse, ou em dias de chuvas torrenciais.

"E como é a sensação?", posso ouvir você questionar. É como voar. Vocês nunca saberão como é bom sentir que você está voando, com seus pés fora do chão, leve como uma pluma. Alma não pesa, nem tem densidade. Talvez os astronautas possam dizer exatamente como é a sensação de voar. É a mesma coisa que flutuar no espaço, sem gravidade. Ou pelo menos eu imagino que seja. Uma sensação de liberdade como nenhuma outra.

"E pra que alguém sairia do seu corpo para ficar voando por ai?". À sua pergunta, responderei com outras: você já ficou curioso para saber o que outra pessoa está pensando? Você já desejou conversar com alguém sem que ninguém pudesse te ouvir? Se a sua resposta para alguma dessas perguntas for sim, então você entendeu por que eu gosto tanto de ter o dom que eu tenho.

Nunca usei meu talento para o mal, como ouvir conversas de políticos importantes ou para descobrir senhas de banco. Sou uma Psychi do bem. Eu uso para tagarelar com minhas amigas, para descobrir se meu namorado está me traindo, essas coisas normais que todo mundo adoraria fazer.

Esse diário não é o primeiro local em que eu conto dos meus poderes. Eu já contei para um cientista, que agora mapeia meu cérebro para tentar entender por que eu tenho esse talento. Já tentei explicá-lo que não é minha cabeça que ele tem que estudar, mas você sabe como esses cientistas são geniosos. Ele simplesmente não me escuta.

Eu aceitei ser estudada por ele porque acredito que estou fazendo uma grande contribuição para a humanidade. Estou ajudando a identificar um novo tipo de Homem. Quem sabe, com minhas capacidades especiais, um dia eu consiga identificar outros dons especiais que as pessoas tentam esconder do mundo por medo? Eu serei uma pessoa muito importante, tenho certeza disso.

Enquanto estou sendo analisada, não recebo visitas da minha família. Das poucas vezes que eu conversei com minha mãe, ela se mostrou incapaz de me entender. Ela sempre chora e eu posso ouvir pensamentos muito tristes dela. Minha mãe acha que sou louca e insiste em chamar o Centro de Pesquisa em que estou sendo estudada de Clínica Psiquiátrica.

Mamãe me diz que o Dr. Paulo vai me ajudar a melhorar e que ela sonha com o dia que receberei alta. Já expliquei mais de um milhão de vezes que não tenho o que melhorar. Já sou a evolução da raça humana. Estou sendo estudada para ajudar outras pessoas. Sempre que tento explicar isso, minha mãe chora e parece desiludida. Por isso não aceito mais suas visitas, nem de ninguém que não acredite em mim.

Às vezes eu questiono o Dr. Fábio, o pesquisador que me estuda, sobre os métodos dele. Ele recomenda que eu tome alguns remédios que me deixam muito grogue. Todos os dias a enfermeira os traz e eu tenho que tomá-los. Quando pergunto como isso vai ajudar na pesquisa, ele me diz que acalma meus pensamentos para que ele possa me entender melhor. Eu também não pergunto muito porque não entendo esse papo de médico.

Eu ainda vou entrar na cabeça dele para descobrir o que ele pensa de mim. Não sei por que não consegui em todas as tentativas anteriores. Acho que ele deve ter desenvolvido algum tipo de bloqueio, para que eu não tentasse interferir nos resultados da pesquisa. Mas acredito que um dia conseguirei pegá-lo distraído e ouvirei seus pensamentos sobre meu caso.

Penso todos os dias na melhor estratégia para conseguir entrar na cabeça dele. Já decidi que tem que ser antes de me darem os remédios. Quando tomo as pílulas que ele me passa, tenho delírios amedrontadores. Vejo pessoas desorientadas, incapazes de fazer as atividades mais básicas, como escovar os dentes ou vestir suas roupas. Vejo pessoas amarradas em seus leitos. Não gosto de ter essas visões, porque me deixam assustada.

Dr. Fábio me diz que devo focar nas coisas boas. Enfermeiras pacientes, ajudando a quem precisa. Médicos habilidosos supervisionando tudo. Famílias amorosas indo visitar seus entes queridos. Mas quando estou tendo essas visões, não consigo pensar em nada positivo. Os delírios do remédio me fazem sentir como se eu estivesse em um hospício.

Já tentei parar de tomá-los, mas sempre que me descobrem me dizem que estou colocando tudo a perder. Não posso deixar que algumas alucinações me desviem do meu objetivo de contribuir para um mundo melhor. Um dia serei uma pessoa muito importante. Tenho certeza disso.

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