Prólogo

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– Puxe até a distância do queixo. – A voz grave de papai pede-me. Puxo a corda
até onde consigo, que não é até o queixo. Ele dá uma passo para trás e coça o queixo.
Permaneço na mesma posição até ele resolver fala novamente, o que me cansa um pouco
os braços.
– Vamos lá filho, um pouco mais, você consegue. – Movo a mão segurando e
esticando o barbante, meus dedos começam a arder e ficar vermelhos. Mordo o lábio
inferior para aliviar a dor. Não consigo passar da mesma distância que já pus a corda.
– Calma, calma. Solte essa corda. Você está segurando-a errado. Já faz um tempo
que eu não pratico, mas se não me engano, é assim… – Ele o toma das minhas mãos e
começa a explicar, endireitando meus dedos:
– “Fura bolo” em cima e o “seu vizinho” e o “maior de todos” em baixo ok? – Ele
fala. Assinto com a cabeça e ele continua:
– Vamos lá então, a partir aí você já sabe: Encaixa na corda… – Obedeço e cito o
próximo passo:
– De lado para o alvo… – Posiciono os pés e corpo paralelos.
– Ergue os braços firmemente… – Ele continua.
– Estica a corda… – Prossigo. Dessa vez consigo traze-la até o queixo, um pouco
mais até, se quisesse.
– Encosta as pontas dos dedos na bochecha… – Continuamos. As pontas macias e
minhas unhas roídas encostam na maça do meu rosto.
– Usar apenas meu olho diretor… – O olho diretor é o que dá a direção exata de
um objeto, até porque nossos olhos não ficam na mesma posição. Papai me ensinou isso a
pouco tempo. O meu é o direito, então fecho minhas pálpebras sob meu olho esquerdo.
Aperto mais ainda o pulso que agarra a madeira áspera da arma. Não entendo o
motivo do cabo ser áspero se todo o resto é lixado e liso.
– Mire… e ati… – Solto a corda e a flecha é disparada. Ela saí cortando o ar como
uma faca quente cortando isopor. Posso escutar o zumbido que ela faz quando avança na
direção do alvo de papelão preso no coqueiro por um prego enferrujado.
Fecho meus dedos dos pés apertando a grama seca entre eles, torcendo para minha
flecha atingir o círculo central torto feito com canetinha. A flecha acerta o alvo, fazendo
um primeiro furo no papelão.
Por pouco não acerto no centro. Largo o arco e saio correndo para ver onde a
flecha parou com o orgulho estampado no rosto. Papai vem atrás de mim, também com
um sorriso grande.
– Parabéns filhão! – Diz papai bagunçando meu cabelo. – Você ainda vai melhorar
muito. Mas da próxima vez tente não deixar o arco no chão. Seu tio vai ficar chateado se
você quebrar o presente dele, ok? – Ele estende o arco e eu o pego.
Tiro a flecha do alvo e observo-a: Penas coloridas, provavelmente artificiais; o
corpo de madeira clara e resistente com cheiro de recém-colhida, apesar de ter sido
retirada da natureza a muito tempo; e a ponta de ferro toda trabalhada, comprada
separadamente para me agradar.
Guardo-a na palma da minha mão e o arco na outra mão. Eu e papai nos sentamos
no banco de praça do jardim. Respiro fundo e pergunto:
– A quanto tempo o senhor não pratica? –
– Ah, já fazem uns quatorze, quinze anos… – Ele me responde com os braços
descansando no encosto do assento. O sol já está ficando mais fraco e os mosquitos estão
começando a atacar.
– Então foi na época que meu irmão nasceu… – Digo admirado.
– Não exatamente… deixe-me explicar. Você sabe que sua avó me teve e mais
outros dois filhos né? – Pergunta papai.
– Sim, um deles é o tio Teca, que a gente acabou de voltar de viajem da casa dele,
no Interior. – Solto as informações como se fosse alguma novidade para papai.
– Sim, por falar nisso, você gostou de conhecer sua família? – Pergunta papai.
– Gostei sim pai, além de ter ganhado o arco do meu tio, adorei comida de lá. Eles
põem Macaxeira em tudo. – Respondo, papai dá um sorrisinho de canto de boca.
– Continuando… Ela teve três filhos Teca, Tomás e eu. (Tito) – Nunca vi nem
conheci esse tal de meu tio Tomás, queria muito faze-lo, até porque ele é o que tem o
nome mais normal dos três. – E nós crescemos e morávamos lá, onde só o Teçá mora hoje
e onde acabamos de chegar de viajem. Teca sempre foi mais apegado a seus avós. Por
isso nunca viajou pra longe de onde morávamos. Já eu e Tomás, decidimos nos mudar
para a cidade para ter uma chance de ter uma vida melhor. – Conta ele.
– E ele também gostava de química papai? – Pergunto.
– Ah sim, parece que gosto para química está no sangue. Eu e ele erámos
parecidos em tudo. Bom… – Ele desvia o olhar para a grama. – em quase tudo.
Começamos a discordar na hora de fazer os planos para nossa futura morada, ele queria ir
para a cidade grande e eu sabia que não daria certo. Odeio lugares fechados e sem vida, e
me apaixonei por Maceió. Esse lugar lindo que a gente mora hoje, eu sempre senti as
praias me chamando por alguma razão. E foi aqui que conheci sua mãe e aqui que seu
irmão nasceu. E depois que sua mãe… bem… quando tivemos seu irmão, eu não podia
deixa-la, e isso me motivou ainda mais a ficar em Maceió. Tive que me despedir de Teca
e de Tomás, já que ele não queria ficar em Maceió. – Ele responde.
– E o que aconteceu com o tio Tomás, pai? –
– Perdemos contato. Mas eu e Teca nunca nos separamos, e ele gostou muito de
você. Disse que você tem talento para manter a marca da família. Já que gosta tanto de
química e agora está aprendendo a usar um arco. – Ele tenta desviar o assunto, mas eu o
impeço.
– Que chato. –
– É filho, infelizmente na relação de três pessoas, sempre tem uma que se sente
menos amada. Apesar de ser paranoia. – Ele respira fundo novamente. – Mas filho, eu
concordo com o seu tio! Sei que quando nós formos embora… –
– Não fale assim pai! – Interrompo-o.
– Mas um dia vai acontecer filho. Sei que você é realmente capaz de manter o
legado de nossa família! – Ele diz. Engulo em seco. Ele não sabe o quanto suas duas
últimas frases me marcaram ao longo da vida.
– Acho melhor irmos para casa. – Sugiro.
– Claro. – Ele levanta. – Mas antes… – Ele colhe algumas pequenas amoras do pé
que plantamos a algumas semanas. Me oferece algumas e eu pego uma. Ponho na boca e
explodo-a com a língua. Cuspo imediatamente.
– Eca! Que azedo! Como que você e me irmão gostam disso? –
– Então… – Ele limpa o liquido roxo das suas mãos na bermuda e põe a mão no
meu ombro. – Era sobre ele que eu estava querendo falar, André. –
Caminhamos até casa conversando.

A Cópia ImperfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora