Suco de Amora

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O som das ondas conforta meus ouvidos e o sol em meu rosto esquenta cautelosamente minha pele dando-me a sensação de estar mesmo em uma praia. Abro o olhos bem devagar, quase como estivesse em um sono profundo, deixo apenas uma linha fina de visão embaçada e ofuscada para meu cérebro acordar e voltar para o mundo real. Também para ele conseguir processar três fatos: O sol que batia em meu rosto vinha apenas de um buraco do fumê mal feito da janela; o som confortante das ondas quebrando eram apenas os meus fones de ouvido, um áudio de quarenta minutos que baixei semana passada, e ainda estou no ônibus escolar do colégio voltando para casa. A realidade é dura, só essa semana, essa é a décima vez que me pego fugindo dela. Minha tristeza momentânea é cortada pela voz doce e cristalina da menina sentada ao meu lado.

– Pensei que você não iria acordar a tempo. – Diz ela – Já está quase no seu ponto.Só mais algumas quadras. –

"Ela" é Laura. Talvez uma das (senão a) única amiga de verdade que eu tenho.Paro por um tempo para apreciar sua beleza: Seu cabelo encaracolado e escuro movendo-se de um lado a outro à medida que o veículo vai balançando pelo caminho, seus olhos castanho escuro refletindo o mesmo brilho do sol que esquentava meu rosto a pouco e sua pele morena sutilmente macia. Se você me contasse há alguns meses que estaríamos dividindo um amizade tão verdadeira, eu riria de você, riria muito. Ela era do tipo reservada e eu do tipo reservado (aí você deve estar pensando "ué, então por que não se conheceram antes?". É simples nenhum dos dois tinha coragem de falar com ninguém). Tudo mudou quando eu e ela decidimos fazer uma prova de psicologia (interesse que temos em comum) e então nos conhecemos.

– Vamos! Pare de olhar pra mim, já estamos na porta da sua casa. – Ela fala beliscando o meu ombro.

– Ai! Me solte sua idiota. Deixe-me passar. – Levanto, e caminho até a porta de saída agarrando a alça da minha mochila e arrastando-a pelo chão de alumínio encardido do corredor.

Vejo os rostos envoltos por fones e entediados dos estudantes que sobraram no ônibus. Todos com a mesma disposição de quando acordaram as seis da manhã pra vir estudar, comigo não é diferente. A diferença é que em vez de Heavy Metal ou Pornofonias, eu opto por apreciar os barulhos do mar. Mas isso não quer dize que eu não goste de músicas, gosto sim, antes de adormecer eu até escutei uma música em que a cantora conta o quanto gosta de se divertir sem gastar nada. Inclusive aperto o botão de pause do meu fone que está na gola da minha camisa e jogo os fios por dentro da minha camisa.Desço os degraus da porta de saída. E com uma altura suficiente para eu escutar antes do ônibus partir, um "cuidado pra não beber muito esse final de semana" é lançado no ar. Com a mesma rapidez e sem olha para trás, um "vai se ferrar, Laura" bem grande saí da minha boca em direção a autora da frase enquanto o ônibus saí. Ela esteve me zoando esses dias depois que contei que pretendo nunca consumir bebida alcoólica.

Mas essa frase não foi tão desnecessária assim, ela me gerou um sorriso frouxo ao me lembrar que hoje é sexta-feira e não tem aula amanhã. Choveu esta manhã, o cheiro de asfalto molhado é agradável mas não supera o da terra úmida (esse sim é um cheiro bom pós chuva) e o vento sopra cautelosamente em minha pele, suficientemente frio para arrepiar meus pelos e me fazer cruzar os braços.

Uma ação desnecessária já que tive que levantar um dos braços para tocar a campainha. Em questão de segundos, o som dos pássaros voltando a cantar é cortado bruscamente pelo estrondo do portão velho abrindo. E fico cara a cara com meu irmão mais novo, Beto.

***

– Oi. – Ele diz com um sorriso bobo no rosto e sua bola favorita na mão.

– Ei, calma aí, eu sei que prometi que ia jogar com você quando chegasse – sinto um arrependimento instantâneo – Mas eu acabei de chegar, preciso de um cochilo. Mais tarde a gente pode brincar ok. –

A Cópia ImperfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora