Comboio

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O barulho dos travões do comboio parecem mulheres gritando de horror.
Estou parado na estação à espera que chegue a hora para entrar e fitar o corredor.

Entrei.
Cá dentro, olho para as janelas.
Lá fora, cerca o meu campo de visão.
Tudo vazio. Ninguém veio dizer adeus. Ninguém quis sentir um Não.

Que nostalgia, que nostalgia, que nostalgia...
Arde-me a testa... Arde-me a mente...
Lá fora o Sol cai e levanta-se a noite...
Nunca mais chego e estou à espera que a poeira na minha cabeça assente.

Quando chegar, não vou lá querer estar...
Ah, se eu morasse num comboio,
A minha vida seria um corredor
Que eu observaria à porta...

Se a minha vida morasse neste corredor,
Este comboio seria o tempo...
E viajaria a 200 quilómetros à hora...
Passaria, e eu, com ele, passar-me-ia...
De mim para mim...
De mim para mim...
De mim para mim...

Ah, se todos os meus problemas fossem,
Como num comboio, estes embalos de um lado para o outro...
Se os meus amores fossem as senhoras e os senhores, perguntando, "vão desejar tomar alguma coisa?"...
Seria apenas dizer que sim...

Se a minha cama fosse este assento, minha cabeça habituar-se-ia ao tremer infinito e à turbulência desta vida...
Mas não habitua....

Ah, infinita viagem que me faz pensar...
Refletir sem ver o meu aspeto louco no vidro...
Refletir no vidro sem ver o meu reflexo reflectido...

Se toda minha alegria fosse meu camarada ao lado,
Lendo o livro e segurando a luz que dele sai...
Eu também leria...

Estou farto de estar neste comboio.
Nunca mais quero passear...
Mas quando chegar,
Vou desejar voltar,
E viajar...
Outra vez...

Carlos Reis

Poemas de Carlos ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora