Ela comia muito e colocava azeite fora da salada.
No primeiro dia, quando eu estava tentando encontrar um rosto conhecido na multidão de adolescentes no check in do acampamento, Edna acenou pra mim. Eu pensei: quem é essa louca? E ela continuava a acenar. Então eu me aproximei e perguntei: estava acenando pra mim? E ela deu um sorriso. Claro que sim! Você usa um casaco de lã, cara. Bizarro. E ela usava essas palavras antigas que ninguém mais usava. Boboca. Mongolóide. Estupendo. Supimpa.
Menina longe de ser da época em questão. Lembro-me de ter ido dormir com a mania de perguntas. Queria fazer um monte de perguntas sobre ela. Por que tinha me seguido o dia inteiro? Por que não falava sobre si, só perguntava um monte de coisas sobre os outros? Estou contando esta história porque sinto raiva de Edna. Sinto tanta, tanta raiva de Edna que meus olhos se enchem de lágrimas só de pensar. De pensar o que ela fez... O que ela tinha naquela cabeça medonha dela. Cabeça que provavelmente era casa de piolho. Eu não me surpreenderia se Edna morasse em uma caverna cheia de dragões e montasse em vassouras. Ela era tão insensível...
Nos primeiros dias conversávamos de vez em quando, entre um intervalo e outro. Tínhamos várias oficinas, o que tomava nosso tempo. Ela sempre fazia as mais nada a ver. Estou tentando aprender coisas novas, dizia. Aprendeu até demais. O que me vem em questão foi o dia livre, que passamos juntos. De manhã bem cedo, o grupo de amigos que eu tinha feito, saiu para fumar na floresta, o que eu não estava a fim de fazer. Nunca fui de fumar. Sentia saudade de Vanessa e queria passar o dia tentando achar um lugar com sinal para tentar ouvir a voz dela. Agora, em meu íntimo, eu confesso. As minhas desculpas eram essas, sendo que no fundo eu sabia exatamente o porquê queria ficar vagando por aí. Edna fazia o mesmo em todo tempo livre. Ela vagava pelos dormitórios, pelas trilhas, perto do rio, perto da cabana de reunião e, quando estava animada, subia o monte. Eu soube que ela subiria o monte no dia anterior. Peguei um pacote de bolachas e a segui. Edna me contou que o pôr do sol seria incrível. Era de manhã. Você vai ficar aqui até o pôr do sol? Perguntei. Você não? Ela rebateu. Eu só tinha um pacote de bolacha e mais tarde descobri que minha parceira levou uma garrafa de água. Foi o nosso almoço. Edna começou perguntando o que eu gostava de fazer. Fiquei incomodado por estar na companhia dela, sozinho, subindo um morro com 500ml de água. Parecia burrice e inconsequência. Uma possível áurea de Edna estava tomando conta do meu ser.
Tomamos dois goles de água. Dois pequenos goles. Lembro-me que nesse dia Edna vestia uma calça marrom terra e uma camisa colorida. Seu cabelo estava numa tentativa de coque, com grampos para todo canto. Mesmo desleixada, ainda não ficava muito feia. Pelo menos sua pele era lisa como a de um bebê e os dentes brancos e bem alinhados. Era o mais bonito nela, reparei. Não que o sorriso a tornasse linda e maravilhosa. Melhorava e muito o seu aspecto.
Você quer fazer faculdade? Perguntei.
Ela riu.
Tá pensando que eu sou vagal?
Que isso. Imagina.
Eu ri também.
Tinha pensado que ela era vagal.
Quero ser professora de espanhol.
Sério?
Não. Só queria saber sua reação. Na verdade eu prefiro francês. Vou ser professora de literatura. O problema é que eu não gosto de ler até o final. Sempre paro 100 páginas antes do fim.
Por quê?
Porque finais são tristes. Prefiro deixar a história em aberto. Imaginar o que poderia acontecer... Essas coisas.
Agora terá que aprender a conviver com os finais.
É.