numero 4

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Eu andava com o livro publicado dentro do casaco. Tinha a intenção de mostrar a ela, que parecia uma amante da arte. O livro é de bolso, cinquenta páginas, trinta poemas. Tinha escrito todos eles em três meses. Dei para Edna ler. Ela parou na mesma hora e ficou lendo com a lanterna do meu celular por alguns minutos. Como não tinha nada pra fazer eu deitei na grama. Ela me acordou um pouco depois.

Como você teve coragem de publicar esta porcaria?

Ela riu, passando as folhas do livrinho em alta velocidade.

É tão ruim assim?

Eu vou ficar com este livro. Vou te ensinar o que é poesia de verdade. Nunca, em hipótese alguma rime dor com amor. Eu não aguento mais ler o mesmo de amadores como você.

É poetisa?

Da mais alta categoria.

E a filha da mãe é a melhor poetisa que eu já conheci. Ela não publicou nenhum livro, nunca se interessou em se tornar uma grande escritora, ou mostrar os seus poemas para outra pessoa. Mas, nesse dia, ela gritou para que eu esperasse e saiu correndo mata adentro sozinha e com meu livro em mãos. Eu queria enterrar a minha cara naquela grama, chorar de vergonha ou me disciplinar por não ser tão bom. Era a primeira vez que alguém me dava um puxão de orelha daquele tamanho. E eu nem tinha rimado dor com amor. Meus poemas eram normais, por cotidiano. Graças a Edna, hoje eu tirei este livro de circulação. Nunca comentei o motivo com Vanessa ou com os meus pais. O que Edna disse aquela noite fica na minha cabeça até hoje. Todas as vezes que vou escrever uma palavra, uma nova história, até mesmo um texto por encomenda, meu leitor ideal é a Edna.

Eu queria que Edna lesse os meus livros. Dissesse Isto é um porcaria! Melhore este parágrafo, apague este outro!

Porque naquela noite, dois dias antes de nos despedirmos, Edna me ensinou como escrever com o coração. Ela me ensinou o que era arte, as palavras certas e como sentir da melhor maneira. Ensinou-me a fechar os olhos, tossir sem dor, chorar sem tristeza. Fez-me ver histórias que se tornaram vida. O meu primeiro livro publicado – Edna disse que Poesias Em Eco(ação), não deveria ser considerado um livro, um conjunto de poesias e nem mesmo algo –, veio depois de Edna.

Não fiquei famoso. Não vendi nem 100 cópias de cada livro publicado desde o primeiro – ao todo três. Nunca mais a vi. Trabalho como professor de literatura. Eu imitei Edna. Minha esposa lê meus livros. Vanessa os ama. Quando termina, nós comentamos a respeito.

O seu livro é ótimo, amor. A história é envolvente...

Mas Vanessa não lê outros livros. Vanessa não sabe o que é bom de verdade. Ela gosta de filmes. Ela gosta de assistir séries, literatura adolescente. Gosta de coisa fácil, coisa previsível.

Vanessa está me chamando. Tenho que terminar isto aqui antes do que eu gostaria. Vamos para um resumo.

Você vai me dar este livro, Edna disse. Vi que aqui tem seu e-mail. Nós podemos trocar e-mails quando estivermos fora do acamps.

Tudo bem, Edna.

Edna é uma mentirosa.

Ao menos era antes desta manhã.

Droga. Eu nem sei por que eu continuo apertando as mesmas teclas. Edna. Edna. Edna. Por que sinto tanta raiva de você?

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