A Change of Heart ¡m.h!

01. train

A pequena lista com tudo o que eu precisava pôr dentro da mochila já estava quase toda riscada. Isso era bom. Ao mesmo tempo que eu batia no pequeno bloco de notas com a ponta de trás do lápis, eu encarava a mochila de cor bege em cima da minha cama arrumada, ela não parecia tão cheia quanto estava. Mais um ponto positivo, pois isso significa sem perguntas. Eu não pretendo 'fugir', eu só não gosto de dar satisfações para aqueles que no fundo eu sei que realmente não vão sentir a minha falta.

Quando finalmente risquei a última coisa daquela lista no bloco de notas, arranquei uma folha em branco e coloquei em cima da mesa de estudos do meu quarto, começando a escrever um bilhete breve para meu pai e Daisy.

'Bom, por onde eu realmente começo? Acho que sendo direta mesmo. 

Pai, Daisy; eu não sou boa com palavras frente a frente mas sou boa com palavras pelo papel. Eu estou saindo daqui e indo em busca da minha própria felicidade, sair um pouco dessa minha zona de conforto e fuga para qualquer problema que eu achasse. Eu vim planejando isso há quatro anos e finalmente eu consegui me libertar. Eu não sei para onde vou ou se tudo vai ficar bem, mas eu não me importo, eu só quero me sentir livre e viver a minha vida novamente, recuperando os anos que eu perdi. Por favor não me liguem ou vão atrás de mim. 

E pelo amor de Deus não chamem a polícia.

Adeus, Blue Adams'

Deixei o papel ali em cima e fechei as persianas gastas da janela, antes de fazer o meu caminho para fora do quarto e fechar a porta silenciosamente, fazendo questão de guardar cada segundo dentro dessa casa dentro da minha cabeça.

O silêncio da casa era completamente intimidador, me dava a sensação de que a qualquer momento ou meu pai ou Daisy apareceriam diante da porta de madeira e perguntariam aonde eu estaria indo com uma mochila parcialmente cheia. Agradeço aos céus por ser dia de semana e Rick ainda estar na pré escola, isso também me evitaria qualquer problema ou pirraça vindo do seu lado. Respirei o ar frio da sala uma última vez, enquanto olhava os móveis arrumados em ordem, que agora só seriam vistos por mim pelo interior da minha mente. Abri a porta e então dei o meu primeiro passo para fora de casa, pronta pra colocar tudo em andamento.

Tranquei a fechadura e joguei a chave por debaixo da porta, assim não teria o problema de me preocupar por estar carregando algo que provavelmente eu não usaria mais. 

Eu juntei todas as quantias que ganhava de natal e de quando o meu pai me dava depois de dizer que não havia achado um bom presente pra mim – quando na verdade eu sabia exatamente o motivo –, e claro, do que era para o lanche da escola. E ao completar dezoito anos, eu fiz um trabalho no qual realmente me ajudou bastante nesse quesito.

Eu conseguia sentir o meu coração pulsar cada vez mais rápido por estar pronta para sair da cidade. Eu nunca em todos os meus dezenove anos saí de Seattle, toda a minha família sempre vinha pra cá já que meu pai  quase nunca conseguia tirar férias do trabalho. Mas a cada passo que eu dava em direção a estação central, tudo parecia cada vez mais inacreditável.

Busquei o bilhete que havia comprado pela internet e a minha identidade, na parte da frente da mochila. O horário descatado por um círculo amarelo fluorescente, feito por mim, marcava no papel a saída do trêm para as duas e quarenta da tarde, o que ainda me restavam vinte minutos para ir com calma até a plataforma.

Por ser dia de semana, o terminal não estava tão cheio quanto eu esperava, não havia filas imensas para entrar na plataforma ou para conseguir os bilhetes. Estava tudo calmo e eu agradeço mentalmente por isso, pois eu consegui sentir que a cada vez mais eu pensava sobre isso, mais eu estaria pronta para dar meia volta e voltar pra casa, fingindo que nada se passou pela minha cabeça.