Sempre fui um cara extremamente distraído. Alerto as pessoas que eventualmente passam a conviver comigo que, caso passe por elas em qualquer lugar e não as cumprimente, não é por falta de respeito e desconsideração com a pessoa, mas sim pelo fato de eu estar viajando em meu mundo particular.
Quando coloco os fones de ouvido, me torno morador de outro planeta, viajo nas composições geniais de alguns cantores ou fico fascinado com assuntos interessantíssimos de certos podcasts.
Em uma época de minha vida costumava acordar muito cedo, como ainda faço, porém para outro motivo. Na época eu levantava da cama as cinco horas para ir correr - de fato fiquei extremamente viciado naquilo.
Como não poderia ser diferente, colocava o fone de ouvido e corria pela rua, meus pés no asfalto, minha cabeça no universo.
Só tinha um pequeno probleminha. Eu morava num local tranquilo, porém, do ponto A ao ponto B do meu trajeto tinha uma pequena mancha de intranquilidade, uma boca de fumo básica, pra ser mais específico.
Certa manhã, correndo, viajando, ouvi alguém assobiar me chamando, e cometi o maior erro de todos, não prossegui, parei, olhei pra trás, dei atenção. Tal como um vendedor ambulante que percebeu o interesse de um possível cliente ele veio.
Como já tinha cometido o erro, mantive-me no papel de cliente interessado. O cara tava completamente bêbado, pelo jeito estava saindo da festa. Já veio pedindo se eu não conseguia arranjar um dinheiro, porque ele não era da cidade e tava precisando pegar o ônibus pra Caxias do Sul (cidade a mais ou menos 500 km de Chapecó).
Expliquei que tava indo correr, que por isso não levava nada comigo (tentando disfarçar o celular no bolso).
Ele, como vendedor insistente, colocou a mão do bolso e tirou algo que finalmente me puxou de meus devaneios até a realidade, uma faca.
Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa ele me falou: "pra tu ver que eu tô falando sério, não precisa me dar o dinheiro, te vendo essa faca".
Dei um suspiro interno e entrei na jogada dele. Puxei assunto, repeti que não tinha nada ali, mas pedi onde ele morava que eu fazia questão de passar lá pra ajudar.
Me mostrou a casa - ali do lado, no trajeto que fazia todo dia, infelizmente - disse que assim que conseguisse iria lá, combinamos até de tomar uma cerveja no boteco em frente. Apertei a mão dele e corri pelo menos 3 km sem olhar pra trás.
Que fim levou? não sei. Voltou pra sua cidade Natal? talvez.
Moral da historia: As vezes ser bom de trova salva, não sei se a tua vida, mas pelo menos teu celular sim.
Eu vi o olhar dele, fiz uma leitura de sua linguagem corporal enquanto vinha até mim, ele veio pra me assaltar. Não sei o que fiz para que mudasse de ideia. As vezes ser atencioso e respeitoso pode fazer a diferença. Não reaja com violência, mas com humanidade.
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A VIDA E O TEMPO
Short StoryVivemos todo dia planejando o futuro, recordando do passado, onde não conseguimos estar definitivamente é no presente. Aqui você encontrará brigas minhas com o tempo e com a vida. Lutas estas não travadas apenas por mim, mas por grande partes dos s...