O Homem de Linho Preto

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Aquela era uma noite aparentemente igual às outras. Cláudio voltava para casa depois de um cansativo dia de trabalho. Ele morava no bairro Petrópolis, na cidade de Porto Alegre, com sua esposa e com seus dois filhos. Cláudio era um rapaz tranquilo, não era afeito aos deleites carnais. Com relação as suas finanças era comedido, não gostava de esbanjar dinheiro e aí estava a semente do mal.

Mas, o que ele não sabia era que, naquela noite, alguma coisa o espreitava nas sombras. Na verdade, aquilo o espreitava há muito tempo, medindo todos os seus passos, esperando apenas a hora certa de agir. Enquanto andava, algo passou rapidamente por ele e farejou-o, deixando-o todo arrepiado. Olhou e volta e não viu nada, mas quando olhou para frente, a uns dez metros de onde estava, viu um homem alto, magro, de chapéu coco e terno de linho preto.

Não tinha outra opção, teria de passar por aquele homem sinistro se quisesse chegar logo em casa. Então ele andou em direção àquela figura tenebrosa. Afinal, ele era um homem ou um rato?

Quando estava a poucos metros da criatura, percebeu que se tratava de um homem branco, de cabelos louros compridos e um leve sorriso no rosto.

O homem falou-lhe:

- Preciso de cem reais para pegar um táxi. Quero ir para casa, mas não de ônibus, pois é muito perigoso a essa hora.

Cláudio disse que não tinha. Então o homem estampando um sorriso maroto disse:

- Não tem problema, pode ser cinquenta, ou vais dizer que também não tens. Mas, tu és muito pão duro, muito avarento.

Cláudio não se achava avarento e aquelas palavras o fizeram sentir-se incomodado.

- O que aquele sujeitinho está pensando. Eu não sou Madre Teresa de Calcutá para ficar ajudando a todos que pedem.

E, aqueles pensamentos foram crescendo em sua mente, Ele foi ficando transtornado que quase partiu para cima do sujeito.

O homem de preto continuava impassível, mas agora com um sorriso macabro no rosto. Então, aproximou-se de Cláudio e cochichou algo em seu ouvido.

- Nunc servit mammonae. Nunc servit mammonae.

Quando Cláudio deu-se por conta, o homem havia sumido. Será que ele havia imaginado tudo aquilo? Às vezes, o escuro nos prega peças e aquele beco era bem escuro.

Cláudio continuou seu caminho, mas as palavras ditas por aquele sujeito não saíram mais de sua mente.

- Nunc servit mammonae. Nunc servit mammonae.

Na esquina de casa, Cláudio encontrou um homem que lhe pediu dez centavos para interar o valor de um pãozinho, uma vez que estava morto de fome.

Cláudio, ainda transtornado e com aquelas malditas palavras na cabeça respondeu ao mendigo:

- Vai procurar outro para achacar. Tu achas que eu trabalho para sustentar vagabundo?

- Desculpa senhor. Eu só pedi uma ajuda. Com certeza, dez centavos não vão lhe fazer falta.

- Cala essa boca, desgraçado!

Quando Cláudio terminou de falar, novamente sentiu a sensação de que havia algo farejando-o e, as palavras ditas por aquele sujeito, no beco, reaparecera em sua mente.

- Nunc servit mammonae. Nunc servit mammonae.

Então, Cláudio olhou ao seu redor e, a uns vinte metros dele, viu novamente aquele homem de terno de linho preto e chapéu coco. Quando virou-se para o mendigo, ele havia sumido. Olhou novamente para o homem de preto e ele também não estava mais lá.

Cláudio apressou o passo. Já não sabia se aquelas coisas realmente tinham ocorrido.

Na frente de sua casa, sentada na escada que dá acesso à porta, havia uma mulher segurando um nenê.

A mulher disse:

- Moço! Tens um dinheirinho para eu comprar leite para o meu nenê?

Cláudio, tomado de um sentimento que não sabia explicar, respondeu à mulher:

- Não tenho dinheiro. Será que todo mundo resolveu me pedir, hoje? Parece que vocês combinaram isso. Some daqui!

Quando ele terminou de falar, novamente sentiu como se algo o fareja-se, mas, desta vez, mais demoradamente. Amedrontado, olhou ao redor e percebeu que o homem de preto estava do outro lado da rua, fitando-o. Um frio subiu a sua espinha de uma maneira inexplicável. Olhou, novamente, e o sujeito havia sumido, assim como a mulher.

Cláudio entrou correndo casa a dentro. Na sala encontrou a mulher e os filhos sentados assistindo televisão.

- Enfim em casa, agora estou seguro.

Sentou-se em sua poltrona. Quando olhou para a televisão viu o homem de terno preto e chapéu coco, o mendigo e a senhora com a criança no colo falando com ele:

- Tu não podias ter nos ajudado? Com certeza aquele dinheiro não te faria falta. Tu és muito pão duro, muito avarento e o teu destino já foi selado.

E, aquelas palavras estranhas ditas pelo homem de preto novamente voltaram para infernizá-lo.

- Nunc servit mammonae. Nunc servit mammonae.

- Mulher, viste aquelas figuras esquisitas na televisão?

- Tu andaste bebendo, Cláudio?

Então, um de seus filhos pediu-lhe dinheiro para comprar um tênis novo, pois o seu estava com a sola furada.

Cláudio, descontroladamente começou a gritar:

- VOCÊS QUEREM ME ARRUINAR? VOCÊS ACHAM QUE EU SOU MILIONÁRIO?

Terminando de falar, novamente, sentiu como se alguém o fareja-se. Quando olhou para trás, parado a poucos centímetros dele estava o homem de preto.

O homem tirou o chapéu coco e jogou-o no chão. Seus cabelos louros, estranhamente começaram a se unir, fio a fio, e transformaram-se em dois enormes chifres. Seu nariz transformou-se num grande bico. Seus braços tornaram-se duas grandes asas negras e suas mãos se em duas poderosas garras de um fétido abutre.

Pela última vez, Cláudio ouviu paralisado aquelas palavras que vinham nublando sua mente desde o beco:

Nunc servit mammonae. Nunc servit...

Então a criatura medonha cravou as suas garras no peito de Cláudio que sentiu uma dor lancinante enquanto sua carne era rasgada. A criatura puxou-o, farejou-o e com satisfação disse:

- Está pronto! Já sinto o aroma da avareza.

Na sala, atônitos e sem reação alguma, permaneciam sentados sua mulher e seus filhos.

A criatura bateu as asas violentamente, levantando vôo e carregando consigo o avarento. De forma violenta arrebentaram a janela da sala e ambos sumiram na escuridão da noite.


Conto publicado na Antologia "Sete Pecados Capitais"

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