p r i m e i r o .

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1991, Brasil.

7 anos

Olhei para a porta do meu quarto que estava fechada e levei as mãos até meus ouvidos tentando não ouvir o que meus papais falavam lá em baixo, tinha acabado de voltar da casa da Molly, minha coleguinha da escola. A mamãe dela preparou uma festa de aniversário e eu fui convidada, nunca eu tinha ido em uma festa antes. Jules também estava lá, ele também era meu coleguinha. Só tinha os dois. Papai estava brigando com a mamãe porque ela tinha me deixado ir, papai não gostava que eu saísse de casa, com exceção da escola. E só. Ele sempre foi muito bravo.

Foi na casa da Molly que eu vi que meus papais eram diferentes. A mamãe da Molly abraçava ela e dava beijos, o papai dela sorria e abraçava a mamãe e ela. Molly ficou sorrindo a festa toda. A irmã mais velha do Jules também abraçava ele, ela sorria pra ele e deixava ele pular no pula-pula. Ela até conversou comigo, disse que faria uma festa para o Jules também. Ela também falou que queria ir na minha festa. Mas ela nunca soube que eu nunca tive uma e nem teria.

Escutei os barulhos das botas do papai subindo a escada e não demorou pra ele abrir a porta com força, fazendo ela bater na parede e a mesma ganhar mais uma marca. Papai me olhava enfurecido, mamãe estava logo atrás chorando. Não sabia se era porque o papai tinha machucado ela ou pelo que ele iria fazer comigo.

Eu encolhi meus ombros quando papai veio até mim, seus olhos estavam vermelhos. Ele me puxou pelo braço e sacudiu enquanto falava muitas palavras feias, mamãe estava gritando com ele. Meus bracinhos doíam onde ele apertava, eu não estava alcançando o chão com meus pés, papai me ergueu e gritava no meu rosto. Eu fechei os olhos.

— Olha pra mim quando eu falo, sua desgraçadinha! — Ele gritou e me sacudiu mais forte, mas eu tinha medo de olhar pra ele. Então não olhei. Foi quando ele me jogou no chão com força e eu senti meu braço colidindo e uma dor muito forte percorrendo ele todo.

— Deixe ela, Armani! — mamãe gritava.

— Cala a boca, sua puta! Ela é minha filha e vai agir como tal! Eu não quero você saindo sem minha permissão, Mellanie! — Gritou e os paços se afastaram, só depois de muito tempo que eu me levantei. Meu cotovelo doía muito.

Não conseguia mexer meu braço, estava doendo tanto! Mas eu não podia falar para a mamãe, ela iria falar para o papai, eu sabia. Ele iria brigar comigo de novo, não queria ele brigando comigo. Então eu fui deitar e tentar dormir, mas não consegui, a dor só foi aumentando até eu começar a chorar. Sabia que o papai iria vir brigar comigo, mas não conseguia, estava doendo muito!

Demorou, mas a mamãe apareceu no quarto com o rosto preocupado. Ela costumava ser tão linda! Mas agora estava triste e com uma marca roxa, quase verde, em um de seus olhos. E o lábio tinha um corte que quando ela falou abriu.

— O que você tem? — Perguntou ficando ajoelhada na minha frente.

— Desculpa mamãe — falei abaixando a cabeça. — Não queria que o papai brigasse com a senhora, mas... — apontei meu braço. — Está doendo muito, mamãe, me desculpa — mamãe se levantou e correu pra fora, sabia que o papai voltaria com ela frustrado. E foi assim mesmo. Ele me olhava irritado, talvez estivesse dormindo e teve que acordar por minha causa.

— O que foi? Deixa eu ver esse braço! — Tentei recuar, ele iria me machucar, eu sabia. Mas papai me puxou pra frente pelo ombro e pegou meu braço o esticando. Eu chorava e ele me chamava de fraca, de covarde. — Só estou vendo se quebrou mesmo ou se você está com frescura — ele disse. Mamãe ficou parada na porta de cabeça baixa. Papai me puxou pelo braço bom. — Vamos para o hospital — resmungou e empurrou mamãe do caminho. Eu tentava acompanhar os paços dele, mas ele era grande e rápido demais! — Você me acordou pra ficar caminhando igual uma lesma? — Gritava.

Pulei com rapidez dentro da sua camionete, ele dirigiu rápido, passando nos sinais vermelhos. Aprendi que não podia passar quando estava vermelho, mas papai não se importava. Ele estava bravo. Quando chegamos no hospital ele me arrastou até a entrada e segurou meu ombro pra olhar pra ele.

— Você caiu da escada, entendeu? Conseguiu esse machucado porque é burra e não sabe descer uma escada direito — seus olhos azuis estavam irritados e sua mão que apertava forte demais meu ombro só afirmavam isso.

— Entendi.

Então entramos. Foi uma mulher simpática que me levou pra sala e fez um monte de exames. Bom, eu acho que eram exames. Falei o que o papai disse, que cai da escada. A mulher me levou pra uma sala pequena onde tinha uma máquina grande, ela falou que era pra fazer raio x. De novo ela perguntou o que tinha acontecido e de novo eu respondi que cai da escada. Falei que era atrapalhada e vivia caindo. Ela não perguntou mais. Quando saímos papai estava mais irritado e não falou nada a viagem toda. Meu braço tinha um gesso nele que coçava, nós tínhamos ficado muito tempo no hospital, já estava quase amanhecendo.

Papai me empurrou pra dentro de casa e me puxou pra porta embaixo da escada.

— Não papai, eu prometo ser uma menina boa, papai! — Eu gritava e me esperneava. Sabia o que ele faria.

— Armani, não faça isso — mamãe tentou me segurar, mas papai bateu com força no rosto dela, saiu sangue da sua boca.

— Fica calada, vadia! Está tentando deixar minha filha como você, não é? Quer outra puta como você? — Papai me chacoalhou e me empurrou na escada para o porão. Lá era tão assustador. Escuro e frio. Cheio de poeira e fedido. Não gostava quando papai me deixava lá. Papai me olhou e me empurrou no chão. — Por sua culpa perdi minha noite de sono! — Se abaixou e ficou na minha frente, seu dedo apontava no meu rosto. — Você é a pior filha que alguém poderia ter! — Sua mão bateu no meu rosto e eu cai para o lado chorando. Doeu muito!

— De-desculpa papai... — implorava, mas ele já estava pegando as correntes e prendendo as algemas apertadas nos meus pulsos. Mesmo com o braço engessado ele conseguiu prender.

— Agora vai aprender a lição, você é uma garota horrível! Ninguém nunca vai te amar, Mellanie — ele dizia e rasgava minha blusa. A blusa que eu mais gostava. Ela era cheia de cores e estrelas. Parecia uma galáxia. Eu adorava a galáxia, queria morar lá porque era linda e ficava bem longe de casa.

Mamãe estava parada na porta chorando.

Vi papai pegar um chicote e desaparecer atrás de mim. Sabia o que seria depois. Ele já tinha feito isso. Era por isso que eu nunca podia ir na praia. Nunca podia usar blusa sem mangas. As algemas eram tão apertadas que começavam a rasgar a carne do meu pulso. Sempre rasgavam. E as marcas permaneceriam em mim pra sempre. Mas toda a dor foi abafada pelo primeiro golpe que eu ganhei. Eu chorava, eu gritava, mas papai não parava. Papai dizia que eu era uma péssima filha, que aquilo era pra eu aprender a ser melhor. Papai dizia que não merecia filhos e esposa tão ruins assim. Quando eu não aguentava mais falar nada, só deixei meu corpo cair apoiado na barra de ferro no meio da sala onde minhas mãos estavam presas. Papai continuou mesmo assim. Eu vi quando o Bernardo apareceu com uma chupeta na boca, mamãe o pegou e correu pra cima. Papai continuou até eu ver meu sangue formar poças ao lado do meu corpo. Minhas mãozinhas estavam pingando sangue dos pulsos também. Eu não consegui ficar acordada e eu sabia que isso deixaria papai mais irritado. Sabia que quando eu acordasse iria continuar presa aqui até ele decidir liberar a mamãe pra cuidar dos machucados. Ele dizia que eu era fraca. Papai fez exatamente isso.


Hoje se iniciam as postagens. São quatro capítulos, vou postar um por semana. Espero de coração que gostem e comentem para eu saber, votem também. Beijos.


Kess.

10.03.2017

Mellanie - Lembranças [1° história].Onde histórias criam vida. Descubra agora