Meus dedos tamborilam por cima da mochila enquanto espero o professor terminar de organizar os papéis sobre a mesa. Todos já saíram da sala e estamos apenas nós, como ele pediu. Penso que se disser para ele que tenho um problema seríssimo de visão, talvez ele possa acreditar que na verdade eu não o estava encarando e, assim, não me tirar pontos logo no primeiro dia.
Sr. Lobato chama a minha atenção com um pigarreio e um olhar de esguelha. Engulo em seco. Me coloco de pé e ando até sua mesa, onde ele se encosta. Os braços continuam cruzados à frente do corpo, o que me deixa ainda mais apreensiva. Dizem que as pessoas cruzam os braços quando não estão receptivas, e eu preciso que ele esteja bem mais que receptivo para acreditar no meu problema de visão agora que me vê de perto.
— E então... — ele começa, me encarando. Os lábios franzidos.
Ele não espera mesmo que eu diga alguma coisa, não é? Só está dando introdução à conversa sobre os pontos que pretende me tirar.
— Então...? — repito, arqueando as sobrancelhas.
Começo a me acostumar com a aparência dele, e chego a enxergar uma pequena cicatriz no rosto, perto do queixo, mas acontece que ela não ameniza nadinha sua beleza. Acho que aumenta. Sabe aquele detalhe na aparência dos mocinhos de TV que na verdade deveria ser um defeito, mas, no fim das contas, acaba virando charme? Pois é.
Fico com um frio na barriga quando penso sobre isso porque ele deve ter, sei lá, uns vinte e três anos, talvez. Se está aqui, dando aulas, com certeza fez uma faculdade. E na faculdade tem muitas meninas bonitas e inteligentes com zero problemas de espinha. Quer dizer, não me entenda mal. Eu não sou feia. Acontece que, com toda essa mudança, não me lembro qual foi o último dia em que pude tomar sol na praia, o que significa que há apenas um resquício de bronzeado na minha pele. E pensar que vou ficar assim enquanto viver nesta cidade maldita...
— Onde encontrou aquilo? — ele questiona com o tom de voz desconfiado e... envergonhado?
Talvez seja um tipo estranho de professor que não gosta de conversar com meninas. Tipo, alunas meninas. Eu tive um assim, certa vez. Acabou que, no fim do ano letivo, ele era praticamente o único professor a não ter se envolvido em nenhum dos burburinhos polêmicos envolvendo menores de idade.
— Aquilo o quê? — pergunto, porque, por mais incrível que pareça, não posso ler mentes e não faço ideia sobre o que ele está falando.
Ele solta o ar e se empertiga um pouco antes de responder. A cara segue sendo de poucos amigos, os olhos quase se revirando.
— O poema.
— Ah, o poema... Eu achei na casa da minha tia. Na verdade, minha prima encontrou.
— Mas qual é o seu problema? — A voz dele se eleva e meu coração esquenta. Que direito esse cara metido a besta tem de falar alto comigo? — Não consegue manter esses dedos longe das coisas dos outros?
— Qual é o seu problema? — Faço um bico e cruzo os braços também. — Não consegue manter o tom de voz em uma conversa?
Não acredito que disse isso. Meu Deus. Ele vai me ferrar.
O professor fecha a expressão para mim e, embora eu saiba que não deva, eu o olho com cara de quem diz "O quê? Eu não ia ficar calada, né?". Ele suspira, baixa os olhos e depois volta a se dirigir a mim com mais educação.
— Quem é sua tia?
Respiro fundo, me acalmando também. Temos que manter essa conversa direita. Meus pontos ainda estão ameaçados.
— O nome dela é Cecília — respondo, meio relutante. Que diferença faz o nome da minha tia numa cidade desse tamanho? — Mas por que tá tão interessado no poema, professor? Ele não diz nada ruim. E eu juro que não foi culpa dele eu ter tropeçado em voc... N-no senhor. Quer dizer, até que foi culpa dele mesmo, eu estava realmente muito distraída. Bom, não é para menos. Eu li o poema. Deu para ver como é bonito. Eu me distraio bastante com coisas bonitas, por isso tropecei no senhor.
Sr. Lobato franze o cenho, e juro que vejo divertimento em seus olhos estreitados. Percebo, pela sua expressão, que falei uma besteira sem tamanho.
— Meu Deus! Não que eu esteja dizendo que você é bonito. Não que não seja também. — Alguém precisa dar um jeito de calar a minha boca. — Caramba! Não foi uma cantada. Eu me referia ao poema. — Agora tenho certeza de que ele está se divertindo com a situação. Me pergunto quantas alunas idiotas ficam trocando as palavras na presença dele.
— Eu posso ficar com ele? — Os olhos do Sr. Lobato me assistem enquanto me recupero da vergonha que acabei de passar.
Bom, por mais que eu não saiba qual motivo leva um professor a querer o poema de uma aluna, porque o considero mesmo minha propriedade por ora, vejo nisso uma boa oportunidade para negociar.
— Se não me tirar pontos, ele é todo seu até amanhã.
— Até amanhã?
— Sim... eu preciso devolver. Aliás, seria demais pedir ajuda para achar o dono... — pauso, buscando a pasta que tia Cecília me pediu para entregar dentro da mochila —, desta pasta? Foi daí que minha prima provavelmente tirou o poema. O nome dele é Apolo.
Sr. Lobato analisa a pasta cinza em minhas mãos com a testa franzida. Ele a desfranze logo depois, e agora parece ter entendido tudo. O professor segura a pasta ainda em minhas mãos e não a solto porque quero negociar mais uma vez.
— Eu realmente me sinto ridícula chamando alguém novo como você aparenta ser de senhor — falo, franzindo as sobrancelhas com um sorriso nervoso. — No IFF só tem gente velha. — Dou uma risada curta, mas, como ele não retribui, me empertigo para continuar. — Será que poderia me dizer seu nome? Claro, se não for muito informal te chamar pelo primeiro nome em sala de aula.
Ele fica calado por alguns segundos, analisando meu pedido. Faço um esforço enorme para não desviar os olhos dos seus, tanto porque é uma visão muito agradável quanto porque quero passar a imagem de alguém segura de si, mas fraquejo no último segundo.
— Na verdade é esquisito e pode até soar inadequado, porque todos me chamam pelo sobrenome. — Sr. Lobato pondera antes de completar a fala. — Mas algo me diz que a gente vai se ver bastante fora daqui.
Eu o encaro, desacreditada.
Seria um grande prazer vê-lo fora daqui, mas acho que esse cara na minha frente, com toda essa beleza e todo esse conhecimento, não é o tipo de pessoa que se interessaria em participar do meu círculo social.
Ele nota meu desentendimento e abre a pasta, passando o dedo por cima da identificação que tem ali. "Apolo Lobato". Segundos se passam até que eu falhe em decifrar o que exatamente ele está me mostrando. O professor passa novamente o dedo, dessa vez com mais ênfase em uma palavra. "Apolo LOBATO".
Congelo.
Solto a pasta na mesma hora, sem coragem de olhar para Sr. Lobato ou... Apolo? Jesus, esse cara ignorante (mas bonito!) não pode ser o mesmo poeta misterioso, tão doce e profundo, que escreveu um dos únicos poemas pelo qual me interessei de verdade na vida. Não pode.
Escuto-o suspirar de novo. Vejo quando seus pés calçados em um sapato social preto caminham em direção à porta.
Tento respirar. Tento de verdade, afinal, não pode ser uma coisa tão ruim, não é? Eu ainda posso ter entendido tudo errado. De que forma isso seria possível? De que forma eu teria tanto azar?
— Manda um abraço pros seus tios, Amora. E quando Augusto voltar, pede pra ele cuidar melhor das minhas coisas.
Não. Eu com certeza não estou enganada. Meu professor é o dono do poema pelo qual estive apaixonada desde a noite passada.
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Heey!
Esse foi o último capítulo da degustação. Se ainda não estiver convencido, pode dar uma olhadinha no meu instagram (@estergdias) também. Eu ia amar te ter por lá!
Obrigada por ler até aqui. Se quiser, apoie meu trabalho na Amazon ❤️
Um beijo e até a próxima ❤
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Letras de Seda (Degustação)
Fiksi RemajaTudo o que Amora Machado gostaria era ser uma adolescente normal, com uma família normal. Mas o que a restou foi morar com os tios desconhecidos, já que viver na Bolívia com sua mãe grávida e o padrasto detestável não era exatamente o que ela havia...