Capítulo 5

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Aquele foi um dia estranho. Estava exausto. Mais do que o normal. E nem foi por excesso de trabalho. Depois que o Jeremias me tirou do arquivo, fui colocado diante de uma pilha de papéis que precisavam ser carimbados e organizados. Nada de excepcional. Mas havia aquele processo. Só Jeremias poderia ter feito aquilo. Por quê? E por que meu pai nunca falou daquela apólice de seguro? Era uma verdadeira fortuna. Não consegui ver o nome do beneficiário, nem se a apólice foi paga. A pilha de papéis pode ter sido um pretexto para me manter fora do arquivo. Mas aquilo não fazia sentido. Afinal, o que um funcionário de uma seguradora sabe da minha vida e sobre o meu pai?

Meus pensamentos iam e vinham. Mal percebi o caminho de volta. Quando dei conta, já estava chegando à porta do meu prédio. Estava faminto. Para completar, passei por mais um momento constrangedor para conseguir um adiantamento. Não sou muito bom nisso, não gosto de pedir, mas eu não teria condições de ir trabalhar amanhã se não me adiantassem algum dinheiro. O jeito foi me sujeitar e pedir para o Alfredo. Aquele cara é intragável, mas valeu a pena. Pelo menos vou poder comer algo mais consistente. Não aguento mais a sopa servida no abrigo de sem tetos. Uma passada na padaria vai bem. Não é o melhor dos mundos, mas é o que tem pra hoje.

Só quando voltava para casa, dois hambúrgueres e uma vitamina de frutas depois, foi que percebi um carro estranho estacionado perto do prédio onde eu moro. Dois homens no seu interior observavam o movimento da rua. Não era uma cena comum. Bem, considerando o bairro onde eu moro, ou são assaltantes ou policiais... Muito cedo para assalto. Deve ser a polícia. Entro no prédio e sigo direto para a escada. Nunca acreditei em milagres e não seria hoje que o elevador estaria consertado. Noto que mais alguém está subindo as escadas. Seriam assaltantes ou policiais?

Não tive tempo de abrir o meu apartamento. Os dois homens que estavam no carro me abordaram ainda do lado de fora.

– Você é Olavo Bilac Antunes de Oliveira?

Aquele comitê de recepção era para mim? Pensei.

– Sim, sou eu.

– Você pode nos acompanhar até a Delegacia?

– Vocês são policiais... Que bom.

Os dois se entreolharam sem entender muita coisa. Eu não podia deixar escapar essa oportunidade...

– Vocês podem mostrar a identificação?

Os dois sacaram suas carteiras com o brasão da polícia. Não é que eram policiais mesmo? Antes de descer perguntei se podia pelo menos guardar os sanduíches que havia trazido para o meu café da manhã, na geladeira. Os dois até que foram bacanas e concordaram. Mas ficaram me esperando na porta. Nem lembrei de tirar a mochila das costas. Do jeito que entrei eu saí. Os dois me escoltaram até o carro, em silêncio. Dei uma rápida olhada na vizinhança. Pelo menos ninguém parecia se importar com aquela cena. Só a dona Clotilde, minha vizinha do apartamento 62, que estava bisbilhotando na porta, como sempre...

Queria saber o que estava acontecendo. Mas aqueles dois não pareciam muito a fim de papo. Eles me colocaram no banco de trás do carro. Estava sem algemas, o que deveria ser um bom sinal, eu pensei. Mas espere aí, por que eles iriam me algemar? Eu não fiz nada. Será que alguém do escritório armou para mim? Lembrei na hora daquele processo no arquivo. Sem dúvida, estava sendo um dia muito estranho. 

Paramos num estacionamento lateral da delegacia. Os dois desceram do carro e pediram que eu os acompanhasse. Um foi na frente e o outro atrás de mim. A coisa estava começando a ficar séria. Eles caminharam até um balcão e um deles disse que estava trazendo o "elemento" que o Pena pediu... Como assim? Eu sou o "elemento"? E quem diabos é esse Pena? Tive vontade de protestar mas a cara fechada do policial atrás de mim me aconselhou a ficar quieto.

O Mistério da SombraOnde histórias criam vida. Descubra agora