Anna Maria se observou no espelho do banheiro por um longo tempo. Suas mãos tocavam o próprio rosto suavemente, tateando, sentindo, esquadrinhando pouco a pouco a pele suave, em busca de reconhecimento. O que via era algo que seu cérebro ainda não havia processado. Aquela pessoa era ela? Tudo parecia muito estranho e irreal desde o momento em que abriu os olhos e acordou ao lado daquele homem.
Agora tentava um reconhecimento irrefutável de que aquela pessoa que via era ela e isso só era possível através do toque. Era difícil distinguir seus sentimentos e impressões, porque o ambiente era tão assustador e não ajudava. Ela olhava para todos os lados, tentando pensar, assimilar, aferindo o que conhecia, em seu mundo sombrio, ao que via.
Seu olhar cruzou o espelho e observou a figura masculina, o mesmo homem com quem acordara minutos antes, aquele a quem ela passou observando e tentando memorizar as feições. Ela ficou um bom tempo ao seu lado na cama, depois de cheirá-lo e tocá-lo, para ter absoluta certeza que seus olhos não a traíam... Sim, era ele, o homem que lhe ensinou o que era amar e que lhe deu esperanças; o mesmo que aceitou sua condição sem exigir nada, aquele que a venerava, dava-lhe as mãos e falava coisas bonitas, como também coisas duras quando necessárias.
Era difícil acreditar que ele era o "seu Richard". Anna ficou encantada ao observá-lo, com um misto de curiosidade e admiração. Tateou o seu rosto de olhos fechados e depois abertos, para reconhecê-lo através do toque. Gostava de fazer isso, tocá-lo era bom.
Ele a abraçou por trás e ficou observando o seu rosto no espelho. Não disse nada, não exigiu explicações, não se inquietou com seu súbito desconforto ou demonstrou ansiedade pelo seu silêncio. Ele apenas esperava o seu tempo, ela sabia disso. Sabia que ele aguardava o seu reconhecimento. Não queria invadir o seu espaço, antes que se sentisse segura para compartilhar seus sentimentos.
Assim era Richard, tão companheiro e seguro de si. Ele lhe passava confiança e ela confiou nele mesmo antes de ver a luz. Agora sabia que podia confiar que lhe ajudaria a trilhar esse novo e tão assustador caminho. Ela precisava dele, ele sabia disso e apenas observava, enquanto a abraçava com carinho.
Ela percorreu o olhar pelo ambiente. Era o banheiro, sabia, mas ficou tentando reconhecer cada objeto. De repente sentiu medo, o mesmo medo – para não dizer pavor –, que sentiu quando abriu os olhos e percebeu que pela primeira vez via o mundo sem estar embaraçado. Tudo era apavorante! Ela começou a chorar, mas não sabia se de alegria ou tristeza.
Richard a abraçou forte, mas continuou em silêncio, respeitando o seu momento, aquele em que a pessoa nasce para um novo mundo e não sabe como se adaptará.
Ela olhou novamente no espelho e viu as lágrimas correndo pelo rosto. Imediatamente seu dedo tocou uma lágrima e começou a subir, fazendo o caminho que levavam aos olhos, até que ela tocou-os e piscou, sentindo o incômodo do seu toque.
– É tão assustador... – Anna Maria sussurrou. – Estou assustada, Richard. – disse, observando o rosto dele através do espelho.
– Você terá que aprender como uma criança a enxergar o mundo, reconhecer as cores, os objetos e assimilar o rosto das pessoas. Mas é tão corajosa, Ann. – respondeu ele, com aquele sotaque britânico que ela amava. Sua voz era uma das coisas mais encantadoras e ela adorava ouvir o timbre forte, confiante e um pouco rouco, quando falava. Ela conheceria sua voz em qualquer lugar no mundo, mesmo no meio de uma multidão.
– No escuro eu me sinto em casa, sou segura e tenho uma identidade. Ver as coisas à minha volta é tão... tão... medonho! Sim, medonho é apropriado para isso. Quando acordei e o vi ao meu lado na cama, levei um susto. Foi a primeira vez em duas semanas que enxerguei algo que não estivesse embaçado em minha visão. – Anna Maria se lembrou do momento em que teve vontade de correr. Sua mente refez passo a passo daquele momento único e inesquecível. – Você estava lá, ao meu lado, e eu não o conhecia. Quis gritar, correr e fugir de você, mas algo me fez recuar. Algo em seu corpo... Foi o seu cheiro. Sim, foi o seu cheiro. Em meu mundo sombrio, eu reconhecia facilmente as coisas com os meus outros sentidos, mas agora a minha visão me confunde e, pior do que isso, ela me amedronta.
– Ann, você viveu os últimos 19 anos de sua vida no escuro. Tudo o que tem são lembranças distorcidas da infância, de quando você ainda enxergava. Agora tudo pode parecer estranho e até assustador, mas você vai aprender novamente. Vai reconhecer as coisas, pouco a pouco, sem forçar demais o seu cérebro. Logo você poderá ser independente e não precisará de ajuda, mas, enquanto isso não acontecer, estarei ao seu lado... Sempre! Serei a luz dos seus olhos, um clarão no meio da escuridão. Você poderá seguir meus passos, meu cheiro e o seu antigo sentido se adaptará ao novo. Nunca a deixarei perdida, prometo. Sempre que sentir medo, poderá segurar a minha mão e se guiar através dos meus passos. Se você me permitir, serei a luz da sua vida.
Debulhada em lágrimas, ela se virou e abraçou Richard de forma desesperada e ansiosa. Já havia sentido o seu cheiro, tocado o seu rosto para fazer o reconhecimento.
Sabia que era ele pela voz, pela forma como a tocava, como agia calmamente e tranquilizava o seu coração; mas agora ela queria sentir os seus beijos e os seus lábios, pois era fundamental senti-lo novamente. Ao ficar de frente para ele, segurou o seu rosto com as duas mãos; ficando na ponta dos pés, para alcançar os seus lábios, o beijou com sofreguidão.
Mais uma vez, ela queria se perder em seus braços, como já havia feito outras vezes, porque precisava daquilo e agora tinha a certeza. Richard era, sim, a luz da sua vida.
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Luz da minha vida
RomanceFilha de um famoso maestro falecido, Anna Maria Smith é uma violinista que viveu 19 anos na escuridão. Aos cinco anos sofreu um acidente e perdeu a visão. Por toda a vida foi protegida pelos pais e sofreu com o preconceito das pessoas, mas tudo se t...