Anna Maria saiu do Teatro Municipal de São Paulo depois do último ensaio e da festa de despedida, realizada pelos amigos que convivera por anos. Ela cresceu no meio de musicistas de companhias por onde seu pai, o famoso maestro Arnold Smith, passou. Viajou mundo afora, mas foi ali que se sentiu em casa e onde começou sua carreira como violinista, ainda com 16 anos. Após oito anos de dedicação, se sentia triste, mas ao mesmo tempo com o dever cumprido. Ninguém podia falar sobre sua incompetência como violinista, porque era uma prova viva que uma pessoa é capaz de fazer qualquer coisa, apesar das limitações.
Com os olhos marejados, tentava não chorar, evitava isso a qualquer custo. Durante a festa já fora difícil segurar a emoção diante dos amigos, enquanto ouvia cada um falar sobre aqueles anos e a saudade que sentiriam. Ela sempre fora forte e, por ser cega, achava que demonstrar fraqueza faria com que as pessoas sentissem pena, que não queria de ninguém, muito pelo contrário. Aos 24 anos, sua limitação a tornou mais corajosa e determinada e, por mais que seus pais tenham feito de tudo para protegê-la, o que sempre quis foi ser livre e dona do seu próprio destino. Era por isso que estava indo embora. Queria provar que era capaz de seguir um novo rumo, recomeçar em uma nova cidade, fazer amigos e parte de algo maior.
Quando houve uma oportunidade através de um teste entre os grandes músicos da companhia, Anna foi a primeira a se inscrever e, a despeito do que qualquer um poderia dizer, passou com esmero. Seu talento como violinista era inegável e, das vinte jovens que disputaram a vaga para a companhia de Nova Iorque, fora a escolhida. Algumas más-línguas diziam que só conseguiu por ser filha do maestro Smith, mas não se importava, porque tinha potencial e passou com louvor em todos os testes. Agora estava se despedindo dos amigos de longa data e recomeçaria tudo em Nova Iorque.
Saiu às 18h, horário do rush em São Paulo. Juntamente com Dinho, teria uma longa e dificultosa caminhada até o ponto de táxi na Av. São João, devido às ruas esburacadas, aos transeuntes estressados e apressados, à dificuldade para pegar condução em meio ao trânsito caótico, além de lidar com taxista mal-humorado e blá-blá-blá.
Todos os dias, eles enfrentavam essa rotina cansativa e devido à cegueira, tudo era mais complicado, mas aprendera a ser paciente e era afortunada por ter um cão-guia bem treinado, coisa que a maioria dos deficientes visuais não possuía por falta de dinheiro, treinamento adequado e investimento dos órgãos públicos. Na verdade, se sentia privilegiada, pois as dificuldades poderiam ser maiores.
Lembrando-se das palavras de incentivo dos amigos e de seu querido mestre, o maestro Albuquerque, começou a pensar no futuro e no porto seguro que teria se as coisas não dessem certo. Não queria ser pessimista, mas recomeçar a assustava, e muito. Seus olhos ainda estavam lacrimosos e a saudade já apertava em seu peito. Era um grande passo, às vezes lhe faltava coragem, mas tinha que provar para si mesma que era capaz de viver em outro país sozinha.
De família abastada, tinha aulas particulares em casa, mas na adolescência frequentou algumas escolas com o intuito de adquirir experiência e sempre que seus pais viajavam faziam questão de levá-la para aprender outros idiomas. Como vivia sempre viajando, era difícil estar matriculada regularmente, ainda mais em uma escola que tivesse estrutura para o ensino de portadores de deficiência. Assim foi praticamente toda sua vida, mas agora no auge dos seus 24 anos, viajaria sozinha pela primeira vez, juntamente com a sua fiel Zefa. Apesar da sua insegurança não voltaria atrás porque era o que queria.
Praticamente da família, Zefa – sua querida empregada e uma verdadeira mãe –, estava aprontando as coisas para a viagem. Torcia imensamente para que Eva, sua mãe, não estivesse lá, porque tinha sua própria casa, mas insistia em passar a maior parte do tempo em seu apartamento. Certamente reclamaria da viagem, como estava fazendo há três dias, mas Anna estava impaciente para aguentar as suas lamentações, pois tudo era muito cansativo e desgastante.
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Luz da minha vida
RomanceFilha de um famoso maestro falecido, Anna Maria Smith é uma violinista que viveu 19 anos na escuridão. Aos cinco anos sofreu um acidente e perdeu a visão. Por toda a vida foi protegida pelos pais e sofreu com o preconceito das pessoas, mas tudo se t...