Capítulo 4
Acordei com um misto de alegria e excitação. O dia não estava bonito. Apesar da época,
ventos frios começaram a invadir de forma violenta a ilha de Manhattan. Bati uma vitamina de
banana com aveia, coloquei um casaco, e, de tão ansiosa, resolvi descer os encardidos
degraus da escada do meu prédio de dois em dois, deixando o lerdo elevador para trás. Como
estava bem adiantada, optei por ir a pé para a escola. A felicidade transbordava em meu peito
e eu estava impaciente. Pela primeira vez em muitos anos eu conseguia visualizar pinceladas
de cores na tela desbotada da minha vida. Queria ver as pessoas com pressa, ouvir muitas
buzinas, gritar de felicidade. Aguardei o sinal fechar para atravessar a avenida
supermovimentada. O sinal ficou vermelho para os carros, e uma grande multidão, assim como
num frenético formigueiro, caminhava a passos largos de um lado para o outro, compenetrada
em seu repetitivo percurso diário. Para eles e não para mim, pois meu estado de êxtase era
entorpecente. Comecei a atravessar a gigantesca avenida, quando subitamente senti uma
descarga elétrica contrair todos os músculos do meu corpo, aquele estranho calafrio
atravessar sem piedade cada tecido, cada estrutura de meu organismo.
- Ah, não! De novo, não!
Meu oxigênio se fora e eu perdi o foco. Petrificada, perdi a compreensão do que
acontecia à minha volta. Senti minhas pernas fraquejarem e meus joelhos ameaçaram se
dobrar, como se alguém os acertasse por trás. Eu ia tombar. Mas eu não podia ceder. Tinha de
aguentar.
- Oh, meu Deus!
A vários metros de distância, um desfocado pisca-pisca amarelo alertava-me para o
escasso tempo disponível. Teria de correr! Mas como? Caminhar já era uma tarefa árdua,
quase impossível. A outra calçada insinuava-se distante, quase inatingível. Eu não conseguiria
alcançá-la a tempo. O horror se agigantou em meu cérebro. Naquela fração de segundo,
recordei-me do andaime assassino e da sorte que vivenciei na véspera. Mas a sorte não
costuma bater duas vezes no mesmo lugar, muito menos em dias seguidos. E o azar? Seria ele
capaz de fazer um percurso bem distinto de sua antagonista? Não havia tempo. Eu precisava
sair dali e tinha de ser naquele momento. Ordenei meu cérebro a controlar aquela estranha dor,
a dar o comando para que meu corpo impotente e atordoado começasse a reagir. E, em meio a
descargas elétricas, consegui utilizar forças que jamais pude imaginar que possuía. Com muita
dificuldade, ordenei minhas pernas a caminharem até o meio-fio que a cada piscar de olhos
parecia estar mais distante. Lentamente, muito lentamente, fui me aproximando dele e, justo
quando uma pontada de alívio começou a brotar em meu peito, tornei a desequilibrar. Ou fui
VOCÊ ESTÁ LENDO
Não Pare!
Roman d'amourNina Scott não suportava mais a vida nômade e solitária que sua mãe, Stela, a obrigava a ter. Mudar de cidade ou de país a cada piscar de olhos, conviver com tantas perguntas que a consumiam, assombrada por mistérios de um passado guardado a sete ch...