Pandora voltava para a cozinha do palácio, cantarolando baixinho. Havia servido o desjejum de chá e bolo de laranja à rainha Lívia em seus aposentos, e agora os pés dela a levavam distraída pelos corredores que conhecia desde menina. A rainha gostava de algo leve pela manhã antes das rezas, o que segurava o apetite até o almoço. Alimentava-se da luz de Ravi, dizia ela.
Pandora viera ainda pequena do orfanato do Templo do Céu e praticamente crescera na ala de empregados. Aprendera a andar como pré-requisito para mais tarde servir.
Sua tez era alva e suave, os olhos verdes e cintilantes como esmeraldas. Usava um vestido sóbrio e justo de linho marrom. O cabelo preto estava um tanto bagunçado, o que nada lhe diminuía o encanto. Muito pelo contrário; dava-lhe um ar de crua sensualidade.
Pandora desempenhara o trabalho com graça e perfeição. A rainha fazia questão de se cercar apenas das mais belas criadas. Era uma senhora austera, com o senso de humor de um tronco seco. Ela as observava com um olhar criterioso e a língua coçando para disparar ao menor deslize. Após a mesura, deixou a sala de estar de cabeça baixa. Mal reparou nos olhares das damas enfileiradas do lado de fora. Simplesmente seguiu seu caminho.
A ala de empregados guardava pouco da decoração luxuosa do palácio. Os pisos eram de tacos e até os detalhes das cornijas mais sóbrios. Quadros e estátuas como aqueles dos salões seriam impensáveis. Raras vezes algum membro da família real dava as caras por aquelas bandas; não fosse por um príncipe jovem e atrevido.
‒ Ahh! ‒ Pandora foi pega no susto.
Lúcio a puxou para um quartinho de depósito. A escuridão os envolveu, pesada e úmida como um manto de lã molhado. Não dava para se ver um palmo à frente do nariz. Não obstante, Pandora o reconheceu; o cheiro era inconfundível. Seu suor tinha uma fragrância de couro e madeira, um odor másculo. Em vias de completar dezoito anos, o garoto alegre e inteligente havia ganhado corpo, tornando-se um rapaz forte, ágil e destemido.
O príncipe a pressionou contra a porta fechada com um beijo de tirar o fôlego. As mãos estavam em cima, embaixo, em todo lugar, apertando-a, acariciando-a. Lúcio sabia do que ela gostava e como gostava. E a recíproca era verdadeira.
Pandora afastou-o por um instante. Só o bastante para respirar; não queria sair de seus braços.
‒ Estava quase louca pensando em você. Senti tanta falta dos seus beijos.
‒ Beijo é como fruta; quanto mais se espera, mais saboroso e doce fica.
Lúcio provou outra vez dos lábios dela, saboreando o mel de sua boca. Os dois se entregaram, curtindo cada momento. O fogo da paixão ardia mais forte que o sol, incontrolável. E Lúcio tinha certeza que sem ela aquelas mesmas chamas o consumiriam até não restar mais nada além de sombras e pó. Através do esmeralda dos olhos dela, via o reflexo da própria felicidade transbordando em um sorriso.
Nenhum dos dois saberia afirmar com exatidão quando a amizade de infância evoluíra para algo mais, apenas que o primeiro suspiro de paixão fora o último da sensatez. Aquilo era uma loucura, um amor proibido. Ele, um príncipe tiberiano. Ela, uma reles servente do palácio. Se a rainha sequer suspeitasse, a moça seria enviada para longe, ou pior.
Pandora já havia perdido noites em claro, ponderando cada possível cenário, e em nenhum vislumbrara um final feliz para os dois. Em resposta às suas dúvidas, Lúcio lhe dissera certa vez que o amor era como um búfalo míope e selvagem; se não achasse um caminho, criaria um.
Depois daquela resposta, o que mais ela poderia ter feito senão beijá-lo?
‒ Hum, deixa eu te falar. ‒ Lúcio descolou os lábios do cangote dela e ajeitou os cabelos desarrumados pelo calor do momento. ‒ Estou meio atrasado. Combinei uma cavalgada com Max essa manhã ‒ disse e fez uma careta entediada.
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Passagem para a Escuridão - Livro I
FantasyEssa é somente uma degustação! O livro está disponível pela Amazon e pelo meu site www.danilosarcinelli.com Noite após noite, as sombras travam uma batalha silenciosa pela alma do jovem príncipe Lúcio Dante, e somente o amor de Pandora parece capaz...