Cap 01 - O Começo

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De frente para a faculdade de música da Federal do Rio de Janeiro, um prédio suntuoso e antigo, Marina pensava se havia feito a escolha certa. Achava que sim. Sua primeira aula seria em meia hora e aguardava somente sua amiga chegar. Quando pensava que ela iria atrasar, eis que alguém lhe toca os ombros.
- Cheguei!
- Ai Monica que susto!
- Calma Marina. Parece bicho do mato.
- Não ué, estou aqui distraída e você aparece do nada.
- E aí, o que achou da faculdade?
- Nem entrei ainda, mas o prédio é lindíssimo.
- Então vamos entrar que lá dentro é mais bonito ainda e tem uma lanchonete que faz um sanduíche de queijo maravilhoso.
- Nossa! Só pensa em comer meu Deus!
Entraram na faculdade, na verdade na escola de música e passaram na lanchonete para Monica comer o tal sanduíche, dali foram pra aula. Era de harmonia e percepção. Sentaram não muito na frente, não queriam chamar a atenção, mas isso era praticamente inevitável. Monica era uma peça rara, tinha cabelos cacheados, olhos cor de mel, era muito branca e magra, tinha o rosto marcante, por onde passava, todos olhavam. Com Marina não era diferente. Não tinha quem não olhasse para aqueles olhos verdes. Seus cabelos eram loiros até o meio das costas, tinha uma franjinha simpática que deixava seu rosto jovial, pele clara, nariz arrebitado, não era alta, seu rosto parecia ter sido esculpido a mão, por ser um pouco bochechuda, parecia um anjo barroco. A aula começou e as duas se concentraram. Quando a aula acabou elas se levantaram e já iam saindo quando a professora chamou.
- Meninas... preciso falar com vocês. São novatas, sim?
- Sim. – Monica respondeu.
- Preciso anotar o nome de vocês para o diário.
- Monica Avilar.
- Marina Calleguer Sfalcin.
- Nossa! Como se escreve isso? Pode dar só um que não tem problema.
- Marina Calleguer.
- Nomes de artista. – a professora brincou. – Vocês são irmãs?
- Não. – Marina estranhou a pergunta.
- É porque os nomes têm a mesma inicial. – A professora sorriu. - Prontinho. Estão liberadas.
- Sabe onde fica a secretaria? Preciso saber quem é meu professor particular. – Marina perguntou.
- Qual instrumento?
- Piano.
- Primeiro ano?
- Sim.
- Deve ser com o Marconi. Procure no segundo andar, primeira porta a esquerda.
- Obrigada.
Saíram da sala a procura da secretaria. Monica já sabia qual era seu professor, pois fora à escola um dia antes. Realmente a professora tinha razão, Marina teria aulas com Marconi. Foram até a sala dele e a loirinha se apresentou.
- Bom dia professor. Sou Marina Calleguer, terei aulas de piano com o senhor.
- Bom dia menina. Não me chame de senhor, por favor.
– Ele sorriu.
- Tudo bem. – Marina sorriu também.
Marconi era moreno, meio gordinho e de estatura mediana.
- Estou olhando aqui Marina, sua aula é amanhã às três da tarde. Tem alguma coisa pronta que possa me apresentar?
- Sim, duas músicas brasileiras.
- Ótimos, vamos nos dar bem, adoro brasileiras. E você? Também terá aulas comigo?
- Não eu sou da transversa. – Monica falou com tanto orgulho que parecia tocar um instrumento sagrado.
- Ah sim.
As duas saíram da sala e voltaram pra casa. Dividiriam um apartamento na Tijuca, era modesto e cabia no orçamento. Monica tinha uma vantagem sobre Marina, seu pai ajudaria nas despesas por uns tempos, já a loirinha teria que arrumar alguma coisa pra se sustentar, pois seu pai não tinha muitas condições e o pouco dinheiro que mandava, ela sabia que faria falta em casa. As duas vinham de uma cidade do interior de São Paulo, sabiam muito bem o esforço que as famílias tinham feito para que elas estivessem ali.
- Preciso arrumar algum emprego, mas com aula às dez da manhã e às três da tarde fica difícil hein.
- Logo você arruma alguma coisa, eu acho mais fácil à noite. Você podia tocar em algum lugar. Na escola eu vi uns avisos de gente procurando músico.
- Sim eu vi também, mas pianistas geralmente já têm,
o que eles procuram é sempre um baixista, cantor, flautista. – falou apontando para Monica.
- Vamos procurar né?
E foi como Marina disse; os anúncios só procuravam outros músicos. Em poucas semanas Monica já tinha arrumado um conjunto para tocar. Era um grupo que tocava em casamentos. Já Marina cada dia ficava mais preocupada. Os meses iam passando e o dinheiro só diminuindo. Um dia na aula, Marconi notou que ela estava relapsa e perguntou.
- Que foi Marina, algum problema? To achando você muito distraída. Está tocando como se tivesse deixado a alma em algum lugar e só o corpo estivesse aqui, você não é assim.
- Preciso de emprego, não posso ficar no Rio sem trabalhar. Meus pais não têm condições de me manter aqui.
Marconi pensou um pouco, achava que podia ajudar Marina, mas não queria fazer falsas promessas.
- Posso perguntar a alguns de meus alunos se estão precisando de pianistas, tenho amigos que tocam na noite, você topa se aparecer algo?
- Claro, na minha cidade eu tocava em casamentos.
- Ótimo. Se souber de alguma coisa, te falo, mas procure se concentrar e não ficar preocupada; vai aparecer alguma coisa.
Depois da conversa Marina se sentiu mais confiante, quanto mais gente soubesse que estava procurando emprego, seria melhor. Os dias foram passando e nada de emprego, estava quase topando um trabalho em uma lanchonete, se caso isso acontecesse, teria que mudar o horário da aula de piano e teria de trocar de professor, não queria, mas seria o jeito. Rezava todas as noites pedindo ajuda. O dinheiro andava curto e ela economizava até na comida. Numa sexta à noite, estava em casa estudando para uma prova de harmonia quando Monica chegou animada do mercado.
- Vamos sair!
- Vamos não, estou estudando.
- Vamos sim e você vai gostar. Os meninos do grupo me chamaram para ir num barzinho lá no Leblon, só toca MPB, você vai adorar.
- Hoje não, outro dia.
- Sai dessa fossa, você precisa sair.
- To sem grana. – falou meio chateada.
- Vamos entrar de graça.
- To sem roupa.
- Te empresto uma.
- To sem animo.
- Bom... aí terei de levar você à força. Anda levanta.
Monica insistiu tanto que Marina acabou indo.
Chegando ao tal barzinho, sentaram numa mesa mais ou menos próxima ao palco. Em seguida chegaram os amigos de Monica.
- Oi meninas, tudo bom? – um deles perguntou.
- Ótimo. Quando começam?
- Daqui a pouco, só falta o tecladista.
Os três sentaram com elas e ficaram de conversa. Hugo era o baixista, Pedro o baterista e Eduardo o vocalista e violonista. A banda se chamava Acorde. Os três também estudavam música, só que Hugo e Pedro eram da Unirio. Hugo era de Parati e Pedro do Rio mesmo, assim como Eduardo, porém ao contrário dos outros ele morava sozinho.
- Gente, ta quase na hora e o André não chega. – Eduardo se manifestou.
- Ele sempre faz isso e eu já falei pra trocar de tecladista, mas vocês nunca me ouvem. – Hugo protestou já falando enfezado.
Esperaram mais um tempo, as pessoas já chegavam em maior número, enchendo o bar. Então o dono veio cobrar a apresentação deles.
- Gente, atraso toda vez não dá. Vamos começar.
- Já estamos indo. – Eduardo falou já pegando o celular e tentando ligar para o tecladista. – O telefone não atende. E aí?
- E aí que estamos ferrados! – Pedro concluiu.
- Vamos sem ele. Vai ficar esquisito, a gente pula umas músicas e faz sem ele.
- Qual é o repertório de vocês? – Monica perguntou tendo uma ideia.
Pedro pegou a folha e mostrou pra ela, que analisou com cautela e depois olhou sorrindo para eles.
- Marina toca isso tranquilo, ela é pianista.
- Mas você não é piano clássico?
- Sou. – Marina estava meio sem jeito.
- Mas ela toca.
- Sério? – Eduardo estava animado.
- Claro. – Monica insistiu.
- Sim, eu sempre gostei de MPB, então essas músicas me são familiares. – falou sorrindo. – Toco lendo cifras também.
Monica sorriu ao ver a empolgação da amiga.
- Então vamos, antes que o dono nos dispense.
Em poucos minutos já subiam ao palco, era um pequeno tablado, mas cabiam todos. Ajeitaram os instrumentos e começaram. Marina não sabia dizer o quanto estava animada. O show começou e parecia que haviam ensaiado há meses, tamanho o entrosamento. Num dado momento Marina viu entrar uma mulher. morena, alta, cabelos lisos pretos, rosto marcante e tinha um sorriso quase sarcástico. Estava acompanhada de uma mulher ruiva e de outro casal. Sentaram num canto onde dava pra ver perfeitamente o palco. Estavam tocando samba de uma nota só, quando Lívia falou:
- Ainda bem que é sexta, vou passar o final de semana dormindo.
- Que isso linda, tem de aproveitar pra fazer outras coisas que não dá tempo durante a semana. – Bianca falou acariciando a mão de Lívia debaixo da mesa.
- Pois então, vou dormir. – Lívia retirou a mão.
Bianca não era propriamente sua namorada, era uma distração. Era uma ruiva de cabelos volumosos, não passava despercebida nos lugares, tinha os olhos castanhos e mais ou menos um metro e setenta e cinco. Quase da altura de Lívia, que tinha pra lá de um e oitenta.
Fizeram os pedidos e só aí Lívia reparou que no grupo que estava tocando havia agora uma menina. Ia sempre naquele bar ver a banda, pois era amiga dos músicos.
- Ué, venho sempre aqui e nunca vi aquela menina ali tocando.
- Deve ser outro conjunto. – Carlos, que estava junto comentou.
- Não é. Os meninos são os mesmos, eu conheço o vocalista, ele é namorado do meu primo, aquele que trabalha comigo no escritório. É um cara muito legal.
- Quem você não conhece Lívia? – Larissa brincou com a morena.
- Conhece meio mundo e a outra metade quer conhecê- la. – Bianca falava orgulhosa, como se Lívia fosse uma artista de Hollywood.

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