Cap 05 - Você fica linda de qualquer jeito.

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Seria presente para a banda ou para ela? Quando desceu do pequeno tablado viu que Lívia tinha ido ao banheiro e foi atrás. A esperou sair e quando ela apareceu na porta a chamou.
- Podemos conversar?
- Claro meu anjo.
- Por que essa de dar o teclado para a banda?
- Vocês estavam precisando, não estavam? Só quis ajudar um amigo. Gosto muito de Eduardo.
Marina achou que ela fosse falar que o presente era pra ela.
- Agradeço a força então, realmente está ajudando muito.
- Imagine, faria novamente se precisasse. E você estava linda tocando hoje.
A loirinha sentiu o sangue invadir suas bochechas.
- Obrigada. – baixou a cabeça envergonhada.
- Tímida fica mais linda ainda. – Lívia atreveu um carinho no rosto dela.
- Preciso voltar pra mesa dos meninos.
Quando chegou lá, ouviu o dono do bar conversando animado.
- Tem um pessoal ali numa mesa pedindo pra tocar chorinho, vocês tocam?
- Infelizmente não. Podemos tentar para uma próxima apresentação.
- Eu toco com Marina, fazíamos dupla na escola em São Paulo.
- Isso, vamos relembrar os velhos tempos.
As duas voltaram ao palco e arrasaram. Tocaram Chiquinha Gonzaga, Waldir Azevedo, Pixinguinha, Ernesto Nazaré e terminaram com Patápio Silva. Foram aplaudidas de pé. Até quem não conhecia o gênero da música gostou. Quando desceram do palco os garotos estavam eufóricos.
- Monica, vamos te contratar hein. – Hugo se animou.
- Estou à disposição. – a menina sorriu.
Quando Marina sentou a primeira coisa que ouviu atrás de si foi Lívia falando com voz quase sensual.
- Como pode ficar mais linda?
Marina somente olhou de soslaio e se virou, estava confusa e não gostava de se sentir assim. Inventou uma desculpa e foi embora mais cedo. Pediu a Eduardo que levasse o teclado para a casa dele e ela levou o seu velho para casa. Monica quis ficar porque estava de papo com Hugo.
No domingo cedo Marina levantou e não viu Monica em casa. Achou aquilo esquisito, como não tinha telefone em casa nem celular... Mudou a roupa e saiu pra ligar para Eduardo de um orelhão.
- Eduardo, você sabe da Monica?
- Sei, saiu com Hugo ontem.
- Ah, nem precisa falar mais nada. – Marina riu, fazendo Eduardo rir também.
- Ela ta bem, pode ficar tranquila, Hugo é um cara legal.
Quando voltava pra casa encontrou a amiga na porta do prédio.
- Ê mulher! A noite rendeu?
- Amiga, nem te conto. Aliás, conto. – Monica contou que tinham saído pra andar na praia, conversa vai conversa vem acabaram ficando. A coisa esquentou e ela foi pra casa dele. Hugo morava sozinho.
- E aí?
- Menina, e aí que nada aconteceu. Acho que ele percebeu que eu fiquei constrangida, afinal, no primeiro encontro já avançar o sinal...
- Nossa, esse cara é uma raridade. Já não se fazem homens assim.
- Ele é tão romântico. – Monica estava maravilhada. – Vim só tomar um banho e vou voltar pra almoçar com ele, você não quer vir?
- Não, vou ficar em casa e mexer naquele outro teclado. Se der eu vou usá-lo para treinar em casa.
- Por que não trouxe o novo?
- Ah não, é da banda e eu não quero mexer. Esse me atende.
- Ai, ai... – Monica revirou os olhos.
Marina estava estudando quando o interfone tocou. Pensou que seria Monica voltando do encontro, mas se enganou.
- Oi Marina, sou eu Lívia.
Marina estranhou ao mesmo tempo em que ficou feliz.
- Oi, pode subir.
O prédio não era grande, tinha apenas quatro andares e não tinha elevador. Marina morava no quarto andar.
- Nossa, preciso fazer mais exercícios. – Lívia chegou um tanto ofegante. – Estou fora de forma.
- Que nada, você está ótima. Entra, fique à vontade.
Lívia usava uma calça jeans e uma blusa preta, os cabelos estavam soltos e lhe caíam até o meio das costas. Usava tênis e isso lhe deu um aspecto mais jovial. Ficou reparando no apartamento, mas discretamente. O lugar era simples. Tinha uma cozinha americana, a sala não era muito grande, mas era aconchegante.
- Gostei do “apê”.
- É pequeno, mas dá pra nós duas. Monica fica naquele quarto e eu nesse. – Marina apontou.
- Posso ver seu quarto? – a morena perguntou sorrindo.
- Pode.
Entraram e Lívia pode ver que Marina era uma pessoa realmente simples. A cama estava encostada na parede e com as almofadas, mais parecia um sofá. Tinha uma pequena mesa no canto e um guarda roupa com três portas. O teclado estava num outro canto ligado.
- Estava tocando? Cadê o novo? – Lívia se referiu ao outro instrumento que havia comprado.
- Deixei com Eduardo e sim, estava estudando. Não para a banda, mas lendo uma partitura para a próxima aula.
- Posso ouvir?
- Ainda estou lendo, não é nada bonito de se ouvir.
- Ah, me deixa ouvir, gosto de ver você tocando.
Marina estava acanhada, mas atendeu ao pedido. O que lia era uma Fuga de Bach a quatro vozes. Lívia ouvia atenta e parecia querer devorar a loirinha com os olhos. Quando Marina parou a morena sorriu.
- Está bonito, eu gosto de Bach.
- Como sabe que é Bach?
- Ei, eu também escuto música erudita. Já ouvi Eduardo tocando no violão.
- Olha, não sabia que ele gostava de Bach.
- Ele gosta, mas sua paixão é MPB.
- Eu também. Por isso me dei bem com ele.
- Esse banco que você está não é ruim? – Lívia se referia a um tamborete em que Marina estava sentada.
- Não é lá muito bom, mas quebra o galho. Ta bom demais, antes pra estudar era só na faculdade. Agora eu estudo também em casa e é bem mais cômodo. Posso estudar até mais a noite se quiser, coloco o fone e toco sem incomodar ninguém.
- Isso é bom.
- Não é o mesmo que piano, pois as teclas são diferentes. Essas são mais leves, mas já está bom demais. – a loirinha falou sorrindo.
Lívia a achou linda. Tinha uma expressão tranquila e delicada.
- Olha, estou com uma música aqui para tocar, os meninos pediram uma seleção de Djavan. Você gosta?
- Adoro!
- Então, estou olhando aqui, alguns acordes são difíceis, confesso que sou péssima com os diminutos, mas Djavan compensa.
- O que vai tocar?
- Pensei em Lilás, Linha do Equador, Flor de Lis e claro, Oceano.
- Já sabe tocar alguma?
- Estava olhando Oceano, mas ainda não está toda pronta.
- Toque o que já sabe, deixa ver como está.
Marina então tocou o refrão, como eram só cifras, para dar uma noção melhor, arriscou cantar baixinho.
Amar é um deserto E seus temores Vida que vai na sela Dessas dores Não sabe voltar Me dá teu calor... Vem me fazer feliz Porque eu te amo Você deságua em mim E eu oceano E esqueço que amar É quase uma dor...”
- Bom, é por aí, ainda falta muito pra acertar.
Lívia estava hipnotizada. Parecia ouvir o canto de um anjo.
- Hei tudo bem? Ta tão ruim assim que você ficou muda?
- Não eu... eu... estou surpresa. Nunca vi ninguém tocando com tanta paixão. Parece que você está colocando sua alma, como se quisesse se mostrar mais.
Nunca ninguém tinha falado aquilo com Marina. Para ela música realmente era o espelho da sua alma. Tudo que sentia conseguia transmitir por notas musicais, mas poucas pessoas reparavam nisso.
- Eu só tento passar para os outros o que a música realmente significa pra mim. – baixou a cabeça timidamente.
- E faz isso muito bem. Você vai seguir carreira?
- Não sei. Sinceramente, não me vejo tocando em orquestra. Nem dando aula. Eu gosto mesmo de criar arranjos, recriar composições. Gosto de trabalhar em equipe. Piano solo é uma coisa que me soa estranho.
- De repente você dá certo como arranjadora ou produtora musical.
- Quem sabe não é? Enquanto isso estou estudando e dando o meu melhor.
- Bom, deve estar achando estranho a minha visita. Eu vim aqui pra te chamar pra almoçar. Quer?
Marina pensou bem. Almoçar fora não estava nos seus planos, até porque Lívia a levaria a um restaurante caro e ela não tinha dinheiro para isso.
- Bom, eu não sei...
- Aceite, por favor. O lugar é lindo e você vai adorar.
- É que eu não... bom... – queria dizer o motivo, mas estava sem graça.
- Eu convido e eu pago. Aceite vai. – Lívia pedia como um cachorro pedia por comida.
- Tudo bem, vou trocar de roupa.
Pegou uma roupa mais ou menos como a de Lívia, imaginou que se ela estava de jeans e tênis, não deveria ser nada chique.
Ao saírem do prédio Marina meio que procurou o carro de Lívia e não o viu, até que a morena apertou um controle que estava na mão e o alarme soou fazendo a loirinha olhar. Era um Chrysler conversível. Arregalou os olhos nem disfarçando o espanto.
- Capota fechada ou aberta? – a morena perguntou com um sorriso meio sarcástico.
- Tanto faz.
- Então será aberta, assim você aproveita o sol.
Marina entrou no carro até com medo de sentar. Ficou pensando em quantos carros teria aquela mulher.
- Não pense que tenho uma coleção deles. É só esse e
o outro. – Lívia pareceu adivinhar seus pensamentos.
- Ah não, eu nem pensei nada. – a loirinha tentou disfarçar.
Praticamente foram em silêncio para o restaurante, sorte que não demorou. Era no alto da Boa Vista. Chegaram e se sentaram a uma mesa que ficava do lado de fora do restaurante, dando uma vista para a floresta da Tijuca. O restaurante não estava cheio e isso deu mais comodidade às duas.
- Bonito aqui.
- Eu adoro, é calmo e posso almoçar sossegada. Você conhece quais lugares do Rio?
- Nenhum, ta bom pra você? – Marina sorriu.
- Jura? Ah então vamos combinar de dar um passeio depois. Assim posso te mostrar o que tem de bom na cidade maravilhosa.
- Combinado. Eu sempre gostei do Rio, mas nunca tive muita oportunidade de passear aqui por conta da distância da minha cidade.
- Você conhece mais lugares do país?
- Não muito. Somente perto mesmo da minha cidade. E em Pinheiro Machado, pois a família de minha mãe é de lá.
- Onde fica isso?
- Rio Grande do sul.
- Tem no mapa?
- Tem. – Marina sorria divertida com a cara de Lívia.
- Seu sorriso é lindo, devia sorrir mais. – a morena a encarou.
- Eu sorrio. Não? – a loira questionou.
- Quando toca fica séria, concentrada, chega a fazer um bico. Que eu particularmente acho lindo, mas que fica séria você fica.
- É porque eu não gosto de errar, se me distrair posso perder o fio da meada. Vou tentar sorrir mais, senão vou parecer antipática.
- Você fica linda de qualquer jeito.
Lívia estava atacando de todos os lados.
- Mas pode parecer antipatia.

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