Cap 02 - A pianista

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Lívia ficou admirada ao ver a loirinha, se distraiu levada pelo som da música que tocava na hora, olhava pra ela e sentia como se a conhecesse. Ficou totalmente alheia aos outros da mesa. Sempre ia naquele bar porque gostava das músicas que o grupo tocava, mas naquele dia parecia ter algo especial. Ficou reparando na menina que tocava teclado, estava concentrada, séria, mas ao mesmo tempo tinha um semblante triste ou talvez preocupado.
Quando o show acabou os garotos levantaram pra agradecer e Marina permaneceu sentada. Então Eduardo falou ao microfone:
- Queria agradecer imensamente uma pessoa muito especial que salvou nossa noite hoje. Marina, por favor, levante-se.
Então Marina levantou e foi aí que seus olhos se cruzaram com os de Lívia que a olhava intensamente; era como se estivesse vendo alguém que conhecia há muito tempo. Nem ouviu direito as palmas direcionadas a ela. Sentiu uma coisa esquisita, não soube explicar, mas parecia que dali para frente sua vida não seria mais a mesma.
Desceram do pequeno palco e juntaram-se a Monica, que tinha acompanhado o show, animada.
- Gente! Adorei! Marina, você estava ótima.
- Que é isso Monica. – a loirinha estava visivelmente sem graça.
- Nossa! Você salvou a nossa noite. Quero muito te agradecer. – disse Eduardo animado.
O dono do bar chamou o rapaz, pagou o cachê da noite e combinou para o dia seguinte. Gostou tanto que resolveu chamá-los novamente. Eduardo voltou contente e falando: - Que tem pra fazer amanhã à noite? – perguntou a Marina.
- Nada, por quê?
- Porque nós temos outra apresentação, o dono chamou mais uma vez. Normalmente ele só chama uma vez na semana, mas achou tão boa a apresentação que vai ter bis.
- Nossa que ótimo! – Monica estava empolgada, sabia que aquilo seria a salvação da amiga.
- Bom, nem combinamos o seu cachê. Mas quanto você cobra para tocar com a gente? – Eduardo parecia sem graça.
- Normalmente vocês dividem o cachê?
- Sim.
- Está ótimo, nós dividimos ué.
- Sério?
- Claro.
- Mas você tocou de improviso, foi chamada de última hora. Geralmente o povo daqui não cobraria barato.
- Olha, eu não vou me aproveitar do problema de vocês pra dar um preço abusivo. Nós dividimos.
- Essa menina caiu do céu! – Pedro falou fazendo gestos como se estivesse rezando.
- Então ta combinado pra amanhã?
- Claro, podem contar comigo.
Pediram algo para comer e beber, era por conta da casa. Eduardo estava combinando o repertório do dia seguinte com Marina e quando olhou para o lado viu Lívia e foi até a mesa dela.
- Licença gente, já volto.
Chegou até a mesa para cumprimentá-la.
- Boa noite, tudo bom gente?
- Eduardo! O show foi ótimo. – Lívia falou elogiando-o. – Sente-se um pouco. - Nossa! Vocês nem imaginam o sufoco que passei hoje. Nosso tecladista não apareceu e nem deu satisfação. Quem nos salvou foi Marina.
- Ah sim, a mocinha que estava tocando. – Bianca falou olhando para Marina na mesa mais distante.
- Ela mesma. Caiu do céu e na hora certa.
- Parece mesmo um anjo. – Lívia nem entendeu porque falou aquilo. “Que coisa idiota Lívia!”
- E amanhã estamos de volta, o dono chamou pra outro show.
- E o tecladista?
- Já era! Por motivos de força maior, Marina tomou o lugar dele. – riu.
- É o mercado ta concorrido, senão andar na linha acaba rodando. – Bom, vocês me dão licença, preciso voltar pra minha mesa.
Os garotos e as meninas saíram do bar deixando tudo combinado para o dia seguinte. Quando estavam saindo passaram pela mesa onde Lívia estava. Marina não pode deixar de olhar, a morena chamava mesmo a atenção. Olhou de canto de olho e nem soube por que sorriu timidamente. Lívia, que também a viu, ficou encantada com aquele gesto, sem também entender por que.
Quando Marina chegou em casa estava radiante.
- Viu amiga, agora já tem um emprego. – Monica se animava.
- Nossa! Essa foi a coincidência do ano. Ainda bem que você me convidou pra sair.
- Eu sabia que ia render alguma coisa, meu sexto sentido me avisou. – brincou.
- Sua boba.
Aquela noite Marina dormiu feliz, acordou no dia seguinte animada. Pegou a lista de músicas que os garotos lhe deram e repassou o repertório para a noite. Monica que acordou pouco depois a viu repassando as músicas.
- Ih, esse repertório vai gastar de tanto que você olha pra ele.
- Estou repassando as músicas, algumas aqui eu não sei tocar, vou ver se pego a partitura.
- Se tivéssemos um computador seria fácil.
- É verdade, mas isso é um acessório ainda distante da nossa realidade.
- Quem sabe se formos juntando né?
- É, quem sabe...
A loirinha levantou da cama e se vestiu, foi até a rua ligar para os pais e contar a novidade. Sua mãe a princípio ficou preocupada dela tocando a noite e ainda mais no Rio de Janeiro, mas quando disse que Monica sempre a acompanharia, ficou mais tranquila. Disse ao pai que não precisava mandar dinheiro por enquanto, que se precisasse falaria. Depois foi até uma lan house e pegou as partituras que precisava.
Monica passou o dia estudando umas músicas para a próxima aula e Marina repassando, sem tocar, as músicas. Apenas analisava as cifras e ajeitava tudo em sua pasta. À tarde Eduardo passou no apartamento delas e combinou um horário de buscá-las.
Lívia acordou cedo e deu uma geral no apartamento, a faxineira havia faltado. Olhou no celular e viu que Bianca havia ligado várias vezes, não quis atender e resolveu desligá-lo. Queria sossego nesse final de semana. Quando terminou a faxina foi assistir TV, passava um filme antigo e isso lhe deu sono. Acabou sonhando com uma loirinha pianista e quando acordou tinha um sorriso nos lábios. “Mas o que é isso!? Lívia deixa de ser ridícula, uma mulher velha sonhando com crianças!”
Mesmo se distraindo, vez ou outra se lembrava daquela garota e daquele sorriso tímido no final da noite. Lembrou que no dia anterior Bianca fez de tudo para ir até seu apartamento, mas ela não quis, não estava afim e isso era raro acontecer. Lívia nunca negava um pedido daqueles, mas por algum motivo havia perdido à vontade. Não entendia porque ainda estava com Bianca, sabia que não gostava dela. Já estava na hora de trocar de parceira. Esse era o problema de Lívia, nunca se prendia a ninguém, era apenas enquanto durava a curiosidade e a paixão, em seguida trocava e tudo começava de novo. Ficou analisando sua vida, não sabia se estava no caminho certo, mas até então tudo estava funcionando bem.
Lívia era promotora pública, havia estudado na Federal do Rio e prestado concurso pouco depois que se formou. Sempre foi uma excelente aluna e seu esforço valera à pena. Saiu da periferia do Rio e mora hoje numa cobertura duplex na Barra e tinha orgulho da sua trajetória. Ajudava a família que morava no interior do Rio, sua mãe e sua tia. Insistia para que a mãe fosse morar com ela, mas nunca teve sucesso, então sempre ia visitá-la. Estava quase anoitecendo quando decidiu que não ficaria em casa. Saiu para dar uma volta e no meio do caminho ligou para seu primo Fabrício.
- Fá, que vai fazer hoje?
- Vou a um barzinho...
- Você vai com essa roupa? – Monica estava incrédula olhando para Marina,
- Que tem a minha roupa? 
- Poxa amiga, você é a estrela da noite.
Marina achou graça.
- To falando sério. Tira isso, coloca uma roupa melhor.
Marina usava uma calça jeans, uma blusa branca e sapatos baixos. Monica tanto perturbou que a loirinha acabou colocando um vestido branco com detalhes em rosa e uma rasteirinha combinando. Saíram, pois Eduardo já estava esperando.
Sentados numa mesa próxima ao palco e conversando animados, Eduardo falava empolgado, havia gostado de Marina logo de cara.
- Sabe que gostei de você. Vamos nos dar bem.
- Espero que sim, ontem não pude agradecer, mas vocês terem me chamado pra tocar, foi uma ajuda e tanto. Estou precisando trabalhar.
- Agradecer? Marina, quem tem que agradecer sou eu. Não é a primeira vez que nosso tecladista some, ele já nos deixou na mão várias vezes.
- Não entendo isso. Sempre fui tão certa com minhas coisas que não consigo imaginar. Já toquei até com um dedo quebrado.
- Jura?
- Já e era o indicador, você sabe que isso para um pianista é o fim da picada. – ela sorriu,
- Eu sei.
- Sempre lidei com músicos muito responsáveis, tive essa sorte. Por isso não entendo.
- E acho que é por esse motivo que vamos nos dar bem, você é tudo que precisávamos.
- Acho que rolou um clima ali. – Monica apontava para Eduardo e Marina.
Hugo começou a rir.
- Claro, clima de que? Amizade não é?

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