Antes das Últimas Palavras

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JoeFather



Joel Garcia da Costa

  Spin-off do conto "Últimas Palavras" publicado originalmente na Quarta edição da Mostra Ecos, por Fabiano dos Santos Araújo 


Parecia estar dentro de um sonho.

Pelo chão corria uma leve neblina, mas o velho faxineiro, a quem chamavam de doutor tinha certeza de que estava dentro do hospital, há anos conhecia aqueles corredores, até sonhava com eles, talvez estivesse mesmo em um agora.

Não viu seu carrinho após alguns minutos parado e nenhuma novidade surgir, saiu para sua visita aos quartos, talvez encontrasse algum dos três pacientes costumava visitar.

Circulou pelo prédio, os corredores estavam vazios. Quis tirar um cochilo, talvez quando acordasse, estivesse novamente no mundo real, mas antes de terminar o pensamento ouviu um ruído.

Conseguiu vislumbrar a parte de trás de uma capa preta com o canto do olho e suas pernas se moveram sozinhas, e quando percebeu já tinha feito a curva no encalço do ser, ele andava muito rápido e já virava à direita no final do corredor.

Iniciou uma corrida, um pouco mais que um trote. Repetiu-se a cena anterior, vendo o ser virando agora para a esquerda. Aumentou a velocidade, mas assim mesmo não conseguiu se aproximar do estranho, que parecia brincar com o doutor.

Desistiu e começou a caminhar lentamente para recuperar o fôlego, antes que enfartasse. Riu da possibilidade, pois não havia local melhor no mundo para passar mal do que num hospital, só que engoliu o riso em seco ao se recordar que estava sozinho ali, com exceção do ser fugitivo.

Adentrou no primeiro quarto que viu e deu de cara com o ser, vestido com uma longa capa, sentado numa cadeira alta que ficava atrás de uma escrivaninha. O quarto, na verdade, funcionava como um pequeno consultório, onde os médicos de plantão se reuniam muitas vezes com os parentes dos pacientes do hospital.

Tinha ele os olhos fundos parecidos com os de um zumbi e folheava, com a cabeça um pouco abaixada, um grosso livro.

– Entre doutor, não tenha receio! - disse ele com uma voz rouca que gelou a espinha do velho faxineiro.

– Entre e sente-se! - continuou ele sem encarar o doutor.

– Estou bem! - respondeu o faxineiro, com desejo de sair correndo dali, mas com a estranha sensação de ser controlado, pois suas pernas se moveram e quando percebeu, já estava se sentando numa cadeira vazia, defronte a escrivaninha. Quisesse ou não – pensou – parece que teria que passar com uma consulta com o estranho ser. Achou graça do pensamento, mas guardou-a para si.

– Então você é o doutor?

– Não, eu sou somente um faxineiro...

– Sim doutor faxineiro, quero lhe perguntar algo.

Ao terminar a frase o ser levantou o rosto e encarou o doutor que pode observar o quanto as suas órbitas eram fundas coroadas com olhos sem vida.

– Pergunte, mas quem é você? A morte?

O estranho ser soltou uma sonora gargalhada mostrando dentes muito claros, que destoavam do restante de sua aparência.

– Bem ao contrário doutor! Eu sou é a Vida, a Vida em pessoa...

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